Não sei exatamente o que me fez pedir esse livro. Sempre me pergunto o porquê de eu sempre pedir livros que não são exatamente dos gêneros que estou acostumadas a ler, principalmente porque até tento, mas não gosto da maioria deles — seria eu uma ignorante? O ponto é que Arquivo das Crianças Perdidas chegou em minhas mãos em um momento que não pude dar a atenção que ele merecia. Tentei lê-lo várias e várias vezes, mas alguma coisa sempre me impedia de continuar. Prometi para mim mesma que essa seria a última chance e, olha que coisa louca, parece que o livro me ouviu.
Eu tinha plena consciência de que o livro não era ruim, que o problema estava comigo. E tá tudo bem, gente. Às vezes a história é tão densa que não conseguimos avançar na leitura dependendo do que está acontecendo conosco naquele momento. Foi por isso que demorei para mergulhar de vez nas páginas da obra de Valeria Luiselli. Aqui, conhecemos uma família que é igual à todas as outras, mas diferente: o homem tem um filho e a mulher uma filha, ambos de relacionamentos anteriores, mas que agora são filhos dos dois e ponto final.
O enredo, de forma geral, é bastante simples: um casal com seus problemas de casal atravessando os Estados Unidos de carro em uma viagem de férias de fachada, carregando umas bagagens, caixas e, é claro, os filhos à tiracolo. O real motivo da viagem é o campo de estudo do pai, que é uma espécie de historiador que registra sons do cotidiano. No momento, seu alvo são os Apaches, povos nativos dos Estados Unidos que, antigamente, ocupavam territórios no Arizona, e é por isso que eles estão indo para lá. Nesse meio tempo, a mãe quer trabalhar no seu próprio projeto, salvar crianças imigrantes — ou pelo menos documentar suas histórias — que simplesmente "desaparecem" assim que cruzam a fronteira para o país.
Assim, como o próprio nome indica, Arquivo das Crianças Perdidas se trata essencialmente de um tema extremamente relevante e atual, a imigração. No contexto em que se passa a história, a crise imigratória é discutida em todos os meios possíveis, rádio, televisão, jornais. É justamente por isso que incomoda tanto a mulher, uma das narradoras, principalmente porque teve contato recentemente com uma problemática envolvendo crianças imigrantes. Além disso, temos de plano de fundo uma crise familiar que constantemente ameaça explodir.
Engraçado que a todo momento tive a sensação de estar viajando com os personagens, tamanha a veracidade da narrativa. Toda a obra é riquíssima em detalhes, além de ser rodeada por inúmeras referências literárias e musicais, como O Senhor das Moscas e provavelmente toda a discografia de David Bowie, que enriquecem a experiência literária de forma imensurável. Apesar do tema complexo — não por ser difícil de entender e sim por ser muito triste —, Valeria Luiselli mostra sua intimidade com a escrita a partir da fluidez da obra. Pode parecer contraditório falar sobre a facilidade de ler um livro em que tive que insistir punhado de vezes, mas gostaria de frisar, novamente, que o problema estava comigo. Poucas vezes em minha vida de leitora tive contato com uma história tão bem escrita e que me tirasse tanto da minha zona de conforto.
É importante citar que os protagonistas de Luiselli não possuem nome, mas gosto de dizer que não são necessários, pois os conhecemos de forma muito mais íntima que um nome. A narradora, por exemplo, é dona de uma inteligência fora do comum, bem como a menina, que não se cansa de fazer perguntas extremamente difíceis de responder — "O que significa ser um refugiado?", "Ainda falta muito?". O menino também é cheio de vida e curiosidade, tanto que em determinada parte do livro, assume a narrativa. Mas nesse contexto, temos o único ponto negativo do livro, o homem, que só aparece para brigar com a esposa ou para passar muito e muito tempo divagando sobre o seu projeto com os Apaches.
Também é impossível falar de Arquivo das Crianças Perdidas sem falar da carga emocional que carrega. O contexto político já é bastante difícil, pois sabemos os perigos que os imigrantes passam em busca dessa nova chance. Porém, ao mostrar o lado das crianças que, muitas vezes tentam atravessar a fronteira sozinhas ou são abandonadas no meio do caminho, a autora consegue captar uma emoção muito, muito mais forte. Além disso, as próprias reflexões dos personagens se fixam em nossa memória, bem como a certeza do que vai acontecer com a mulher, as crianças e o homem no exato momento em que entram naquele carro.
Certamente que Arquivo das Crianças Perdidas foi diferente de tudo o que eu já li. Fico extremamente contente de ter insistido tanto, pois no fundo eu tinha certeza de que não ia me decepcionar. É um livro sobre um tema que mexe, cutuca, incomoda, machuca, mas também é um livro sobre memórias e família, o único conceito que sabemos antes mesmo de alguém nos ensinar.
Tradução: Renato Marques ✦ Páginas: 408 ✦ Editora: Alfaguara