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26 de abril de 2025

A Menina e a Pipa (& a salvadora branca), de Laetitia Colombani


Aceitas uma resenha bem problematizadora hoje? Pois é o que teremos. Prontas? Eu poderia resumir A Menina e a Pipa assim: uma professora francesa de luto resolve fazer algo que os europeus ricos adoram: ir para um país considerado de terceiro mundo para "se curar". No processo, ela descobre que pode, com seu dinheiro e seu conhecimento, ajudar os mais necessitados. O que é ótimo, claro, mas ela faz isso ao estilo europeu: se sentindo a pessoa mais incrível e altruísta do mundo.

Mas vamos começar do começo. A tal francesa se chama Léna e ela passou por uma experiência traumática. De início, o leitor não sabe exatamente o que aconteceu, mas entendemos que Léna perdeu o marido. Abalada e buscando se curar e se reconectar consigo mesma, ela decide passar um tempo vivendo no Golfo de Bengala, na Índia.

Um dia, Léna quase se afoga no mar e é salva por uma menina e uma mulher. Mais tarde, Léna descobre que a mulher em questão é a líder de um grupo local que se intitula Brigada Vermelha: um grupo de mulheres que praticam defesa pessoal e cuidam da segurança das mulheres da região. Toda a parte envolvendo a Brigada Vermelha é muito interessante. Se o livro fosse só sobre isso seria ótimo, mas a europeia não ia aceitar não ser o centro das atenções, né?!

Inclusive, a tal Brigada Vermelha existe mesmo e, pelo que pude checar, todas as informações contidas no livro são reais, incluindo a história de sua fundadora, Usha Vishwakarma, que, em 2016, foi reconhecida como uma das 100 mulheres de maior sucesso da Índia pelo Presidente do país. Segue uma explicação impactante apresentada no livro:

Aqui, o estupro é um esporte nacional, declara a chefe. E os criminosos nunca são castigados: as denúncias raramente levam a investigações, menos ainda quando as vítimas são de classes baixas. Diante da inércia das autoridades, as mulheres precisaram se organizar para garantir a própria segurança.

Léna acaba se aproximando dessas mulheres, que são muito mal vistas pelos locais, e da menina, Lalita, que não fala, mas demonstra um profundo interesse por Léna. Aos poucos, Léna percebe que não só Lalita, mas muitas meninas da região são analfabetas.

Bem-vinda à Índia, murmura. Ali, as meninas não estudam, ou se estudam é por pouco tempo. Não se considera útil educá-las. É preferível mantê-las em casa e ocupá-las com tarefas domésticas, antes de casá-las com alguém assim que atinjam a puberdade.

Léna decide mudar essa triste realidade dando aula para as meninas da região: "Em uma noite mais agitada do que as outras, Léna tem uma ideia. Uma ideia singular, surreal. Construir uma escola em Mahabalipuram."

Tudo muito legal, né?! Mulheres unidas, aprendendo a ler, escrever e lutar. No entanto, na versão de Laetitia, esse grupo de mulheres é liderado, organizado e coordenado por uma francesa bondosa. Quero deixar claro que não há nenhum problema na atitude da personagem. Espero que, na vida real, existam muitas Lénas fazendo coisas parecidas. Mas muito me incomoda a prepotência de criar uma personagem europeia e a retratar de forma quase angelical levando educação a crianças indianas tal qual uma grande salvadora branca.

"Salvador Branco" é um termo sarcástico e crítico que define uma pessoa branca que é descrita como libertadora, salvadora ou edificante para as pessoas não-brancas. Muito retratado na mídia, o salvador branco geralmente surge para resgatar pessoas não-brancas de uma situação de violência ou injustiça, normalmente impondo seus valores e vontades de forma vertical. Também é frequente que o salvador branco seja um branco viajando para um local "exótico".

Muitos filmes já foram criticados por retratarem e enaltecerem salvadores brancos. Entre eles: 12 Anos de Escravidão, Django Livre, Diamante de Sangue, Avatar, Duna, Gran Torino, O Último Samurai e A Grande Muralha. Sobre este último, a atriz Constance Wu fez o seguinte comentário"Temos que parar de perpetuar o mito racista de que apenas um homem branco pode salvar o mundo. Não é baseado em fatos reais. Nossos heróis não se parecem com Matt Damon."

Ouso dizer que os heróis indianos também não se parecem com uma professora francesa traumatizada.

No livro, Léna está constantemente dando ordens às outras mulheres, dizendo o que elas devem ou não fazer. Um trecho específico que me incomodou bastante é quando Léna percebe que as meninas faltam às aulas quando estão menstruadas. O livro explica muito brevemente sobre como a menstruação é um tabu na Índia, mas a resolução é basicamente Léna fazendo as meninas prometerem que não faltarão às aulas quando estiverem menstruadas. Ah, ela também faz um discurso sobre a importância de os panos (que as meninas usam para se limpar e para absorver a menstruação) estarem sempre "cuidadosamente" lavados. Isso tudo logo depois de explicar que "No campo, as escolas não têm banheiro; as meninas precisam se afastar e se esconder na mata para fazer o procedimento. Elas têm vergonha e medo de ser descobertas, até agredidas." Ou seja, um problema complexo sendo solucionado de uma forma simples. A Salvadora Branca ataca novamente.

Não vou mentir: eu não acho que o plot de "encontrar a cura ajudando os outros" seja ruim. É de fato muito poético e tocante ver alguém se curando enquanto ajuda outras pessoas. Mas a forma messiânica como isso é feito é profundamente perturbadora e é difícil acreditar que histórias assim continuam sendo escritas. Vejam esse trecho:

As garotas com quem convive não terão nenhuma outra oportunidade de se educar: a escola é a única escapatória possível da prisão invisível na qual a sociedade deseja trancafiá-las. Léna terá que lutar contra essas correntes. Será preciso enfrentar os perigos, opor-se aos adversários com toda a sua inteligência e a sua determinação. O combate promete ser demorado.

A Léna sendo descrita como uma guerreira solitária lutando sozinha contra os costumes milenares de um país "com toda a sua inteligência e a sua determinação" chega a me dar vergonha.

Pra além de toda essa questão problemática, vale dizer também que o livro carece de profundidade. Em vários momentos, eu achei a narrativa um tanto quanto jornalística: sem emoção, apenas descrições. As intenções da protagonista não ficam claras, porque o livro não se importa em esclarecer seus sentimentos e pensamentos ao leitor.

Antes da metade do livro eu já estava completamente desinteressada e irritada com toda a importância que Léna dá a si mesma e às suas ideias geniais. Mesmo assim, insisti. O final não é de todo ruim. Na verdade, o final traz um tom levemente diferente, mais pessoal, focado na transformação que Léna teve e não na que supostamente causou. Se todo o livro tivesse tido esse tom mais pessoal, de uma pessoa se encontrando e se curando, teria sido muito melhor. O problema foi a insistência em transformar Léna numa heroína branca salvando pessoas não-brancas ao invés de focar apenas no fato de ela ser uma mulher em luto buscando se reconectar consigo mesma e se curar enquanto explora um país novo.

Enfim, se você não for uma chata problematizadora como eu, provavelmente você vai apreciar bem mais essa leitura. Acredito que, se você focar no aspecto pessoal do processo de cura da Léna, a leitura funcionará muito bem. Todo o trabalho de diagramação e tradução da Intrínseca está impecável, como sempre. A capa é linda, a leitura é confortável e eu não encontrei um errinho sequer. 

Título Original: Le cerf-volant ✦ Autora: Laetitia Colombani
Páginas: 192 ✦ Tradução: Sofia Soter ✦ Editora: Intrínseca
Livro recebido em parceria com a editora

14 de abril de 2025

O que a comunidade incel, o thriller Garota Invisível e a série Adolescência da Netflix tem em comum?

Recentemente, o termo incel voltou a ganhar destaque por conta do sucesso da mini série Adolescência da Netflix, que acompanha um adolescente acusado de assassinar uma colega de escola. A série vem sendo muito comentada nas redes sociais, tanto por sua qualidade técnica, já que cada um dos quatro episódios foi filmado em um longo plano sequência, quanto pelos temas que ela aborda e pela forma como mostra que tipo de adolescentes a internet e as redes sociais vêm "criando".

Incel é a junção das palavras involuntário e celibatário. Os incels seriam, portanto, homens heterossexuais que culpam as mulheres e a sociedade pela falta de sucesso romântico e sexual. Na lógica desses homens, as mulheres se tornaram muito exigentes e, por isso, muitos homens não estão obtendo sucesso para encontrar mulheres para se relacionar, frustrando-se e destilando ódio por elas. Para muitos incels, mulheres são privilegiadas, protegidas pelo poder público e altamente seletivas sexualmente. Um incel pode ser desde um jovem virgem, tímido e frustrado, até um homem raivoso e violento que encontra justificativa nessa lógica absurda para abusar de mulheres

Conseguem imaginar a minha surpresa quando peguei pra ler o livro Garota Invisível, lançamento da Intrínseca, e me deparei com o termo incel? Ainda impactada com a série Adolescência, eu mergulhei nessa leitura e finalizei o livro em menos de 24 horas. Garota Invisível é um thriller que aborda o submundo dos fóruns incel da internet.

No livro, acompanhamos três pontos de vista: Saffyre é uma jovem traumatizada que é mandada para a terapia após sua família descobrir que ela se mutila. Cate é uma mulher que vive seus dias tomando conta da casa, dos filhos e do marido (que é o psicólogo de Saffyre). Cate e o marido estão se recuperando de uma crise no casamento. Por último, o terceiro ponto de vista é de Owen, um professor de 33 anos de idade que nunca teve um relacionamento amoroso e que acaba de ser afastado do trabalho por conta de uma acusação feita por suas alunas. Revoltado com a acusação, Owen encontra consolo num fórum incel.

Enquanto Adolescência parece um thriller, mas é um drama, Garota Invisível parece um drama, mas é um thriller. Saffyre irá desaparecer e a investigação envolverá a todos. Thriller está longe de ser meu gênero literário favorito. As fórmulas pré-prontas e replicáveis me incomodam um pouco. Na verdade, quando peguei Garota Invisível pra ler, minha motivação tinha sido o fato de ter um personagem psicólogo. Eu, como psicóloga, adoro ver como minha profissão é retratada na literatura e no cinema. Garota Invisível segue o padrão dos thrillers de ir desenrolando a história aos poucos, mantendo a tensão e revelando informações importantes em momentos estratégicos. 

Apesar de não ser meu tipo favorito de leitura, Garota Invisível conseguiu me envolver rapidamente. Passei horas conversando com meu marido sobre o livro e entrei a madrugada lendo. Saffyre é uma narradora muito interessante. Seus traumas fazem dela uma personagem cheia de camadas e complexidade. Mas meu ponto de vista favorito foi o do Owen, porque ele é um personagem difícil de compreender, principalmente porque nem ele mesmo se compreende. Eu entendo perfeitamente as intenções da autora com esse personagem, mas ainda não tenho uma opinião formada sobre isso. Posso dizer que Lisa Jewell escolheu um caminho perigoso para o personagem (desculpa a frase misteriosa, mas não quero dar spoiler).

A parte que menos gostei do livro foi a resolução do mistério e a conclusão. Achei confusa e desnecessariamente mirabolante (algo que vejo constantemente em thrillers). Mesmo assim, ler esse livro foi uma experiência muito boa, principalmente pelas reflexões que ele propôs, sobre como as aparências enganam, sobre o perigo dos fóruns incels e sobre o risco de nos vermos seduzidos por ideias insanas quando estamos emocionalmente fragilizados.

Adorei a leitura e tenho certeza que é um livro que vai agradar a grande maioria dos leitores. Lisa consegue unir mistério, drama familiar e crítica social numa obra envolvente e coesa. Recomendo!!!

Título Original: Invisible Girl ✦ Autora: Lisa Jewell
Páginas: 384 ✦ Tradução: Karine Ribeiro ✦ Editora: Intrínseca
Livro recebido em parceria com a editora

7 de abril de 2025

Top Comentarista: Abril 2025


Todos os meses euzinha começando o post do top comentarista pedindo desculpas pelo atraso, mas é isso, amores. Abril é o mês do meu aniversário — que é hoje, inclusive, 07/04 — e eu sempre fico muito animada com a chegada dele. Esse ano tô um pouquinho pra baixo com as mil e uma coisas que tão acontecendo na minha vida, mas com a fé de que as coisas voltarão para os eixos. Gente, cês acreditam que eu tô fazendo trinta anos? Mas se me perguntarem, juro que tenho no máximo 23 😹. Bom, vamos finalmente ao top?

As regrinhas continuam as mesmas, mas não custa relembrar, né? Nos primórdios do blog, era obrigatório comentar em todas as postagens para não ser desclassificado do concurso, mas agora vocês são sorteadas a partir dos comentários. Isso significa que não é obrigatório comentar em todos os posts: cada comentário que vocês fizerem devem ser cadastrados no formulário do Rafflecopter, que só aceita uma entrada por dia — recomendo que vocês comentem e preencham o formulário sempre que sair post novo, já que quanto mais comentários cadastrados, maior a chance de ganhar. Todos os meses um comentário será sorteado pelo aplicativo. Outra coisa, agora que o Twitter ressuscitou, voltei com as entradas referentes à ele no formulário, fiquem atentas!

Atenção: só preencha o formulário nos dias em que comentar no blog. Por exemplo, se em determinado mês tiverem 13 posts, o número máximo de entradas que cada participante pode ter no formulário é 13! Outra coisinha: já tem alguns anos que o Rafflecopter não é mais responsivo, então acho que no computador a visualização fica melhor! Até pensei em fazer o formulário pelo Google, mas o sorteio é mais trabalhoso para mim. Quaisquer dúvidas, podem entrar em contato comigo no Twitter ou Instagram! 💖

O prêmio é um vale de trinta reais na Amazon! Ah, as chances extras continuam: comentar nos posts do Instagram e tweetar sobre o top todos os dias em que tiver postagem nova por aqui, então aproveitem! Caso tenha restado alguma dúvida, podem me procurar nas redes sociais, tá bom?

Observações
- O período de validade desse top comentarista é de 07/04/2025 à 30/04/2025. Cada comentário que vocês fizerem devem ser cadastrados no formulário do Rafflecopter, que só aceita uma entrada por dia.
Não serão computados comentários genéricos, só aqueles que exprimem a opinião do leitor e mostram que ele realmente leu o post. Comentários plagiados de outras plataformas (lembrem-se que plágio é crime) ou que se repetem em outros blogs não serão considerados. Comentários do tipo serão excluídos sem aviso prévio e o participante será automaticamente desclassificado;
- É permitido apenas um comentário por post;
- É obrigatório seguir o Roendo Livros via GFC e seguir o perfil @anadoroendo no Instagram para validar a participação;
- A entrada "tweet about de giveaway" só será válida se a pessoa estiver seguindo o Twitter informado (@anadoroendo);
- Após o término do top, o Roendo Livros tem até 30 dias para divulgar o resultado;
- O ganhador tem 48h para responder o e-mail com os dados de envio, caso contrário o sorteio será refeito. O livro escolhido (na faixa de preço estabelecida) deverá ser informado no corpo do e-mail;
- Após feito o contato, o prêmio será enviado dentro de até 60 dias úteis;
- Para o livro ser enviado, é necessário que o ganhador passe o número do CPF para a Ana, já que agora os Correios solicitam uma declaração de conteúdo (saiba mais aqui) Só participe do sorteio se estiver de acordo;
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- Este concurso é de caráter recreativo/cultural, conforme item II do artigo 3º da Lei 5.768 de 20/12/71 e dispensa autorização do Ministério da Fazenda e da Justiça, não está vinculada à compra e/ou aquisição de produtos e serviços e a participação é gratuita.
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