Quando eu vi a premissa do livro Autocuidado de Verdade, eu achei a autora ousada (e até um pouco arrogante). Com um subtítulo provocador que diz "sem cristais, purificações ou banhos de espuma", Pooja Lakshmin afirma que irá ensinar aos leitores o que é autocuidado de verdade e nos alertar sobre os perigos do que ela chama de falso autocuidado.
Já fiz parte da maioria esmagadora de leitores que repudia literatura de autoajuda, mas superei o preconceito recorrendo a livros de autoajuda escritos por profissionais de saúde mental com conhecimento científico e experiências práticas. Em minha prática profissional, frequentemente me é solicitada a recomendação de livros de desenvolvimento pessoal e, portanto, para ter boas indicações para minhas pacientes, resolvi me abrir para essas leituras. As experiências têm me rendido de péssimas a excelentes leituras, como em qualquer outro gênero.
A decisão de fazer a leitura de Autocuidado de Verdade veio daí. Lakshmin é psiquiatra e seu atendimento é focado em mulheres. A médica fala sobre como nós, mulheres, somos facilmente seduzidas pela ideia de autocuidado e de como o termo se tornou tendência nas redes sociais. Porém, segunda Pooja, esse autocuidado instagramável pode ser mais um caminho para a autocobrança e a culpa, já que deposita no indivíduo a responsabilidade por um mal-estar que é muito mais social do que individual.
O falso autocuidado como solução para as aflições das mulheres é uma forma de exonerar o sistema da culpa.
Além de sua experiência profissional, Lakshmin também utiliza de sua história pessoal para elaborar seu raciocínio. A autora, que numa época de sua vida marcada pela sobrecarga acabou recorrendo a um retiro, problematiza essa busca pelo bem-estar que acontece de fora para dentro. Segundo ela, o verdadeiro autocuidado deve acontecer de dentro para fora.
Ao longo de 272 páginas, Lakshmin aborda os motivos que nos levam a buscar métodos de falso autocuidado e traça o caminho do verdadeiro autocuidado, que envolve estabelecer limites, ter autocompaixão, se conectar consigo mesma e com seus valores e afirmar e exercer seu poder sobre si mesma.
A perspectiva defendida pela psiquiatra é interessante e pode até ser capaz de explicar porque algumas pessoas possuem uma gama de estratégias de autocuidado (bebem muita água, tomam suco verde, treinam todos os dias, fazem skincare, vão ao salão de beleza uma vez por semana, fazem procedimentos estéticos, etc) e, mesmo assim, seguem se sentindo sobrecarregadas e infelizes. Seguir roteiros pré-estabelecidos de autocuidado nem sempre vai funcionar pra todo mundo.
No entanto, esse ressentimento para com as estratégias mais clichês de autocuidado não me parece justo. Tomar sol, beber água, se exercitar e fazer skincare são estratégias válidas quando buscamos saúde mental e bem-estar. Além disso, algumas das estratégias criticadas pela autora não são sequer acessíveis para a maioria das mulheres (fazer uma viagem de uma semana para um retiro ou passar o dia num spa, por exemplo). Desculpa, mas, eu nunca pude fazer nada disso e adoraria poder fazer.
A ideia defendida por Lakshmin é de que essas estratégias são apenas fugas e não resolvem o problema. E, sim, de fato não resolvem. Mas é um privilégio poder fugir um pouco. E fica fácil menosprezar um privilégio ao qual você tem acesso. Quantas pessoas não se beneficiariam de uma semana de férias em um retiro?
O falso autocuidado é um método - sair para correr pode melhorar seu humor na hora -, mas não faz nada para mudar as circunstâncias da sua vida que levaram você a se sentir esgotada, sem energia, para baixo.
Até mesmo no tratamento de uma questão mais grave de saúde mental, como a depressão, profissionais de saúde mental farão recomendações como "pratique atividade física" ou "coma frutas todos os dias". Agora imagine uma pessoa deprimida lendo esse livro e pensando "porque estou me esforçando tanto para fazer atividade física quatro vezes na semana? Isso não muda a sociedade em que vivo e, portanto, não resolve o meu problema". No mínimo, perigoso.
Não que a autora diga para não praticarmos esse autocuidado mais básico, mas ela problematiza tanto esses métodos que eu fiquei até com vergonha de todos os produtos de skincare que eu tenho no meu banheiro.
Esse autocuidado defendido pela autora é algo que eu trabalho muito com minhas pacientes inclusive. Esse olhar para si com mais carinho e consideração, se respeitar e respeitar seus limites. Gostei da forma como a autora trouxe conceitos da Psicologia, da Terapia de Aceitação e Compromisso, propôs reflexões e atividades práticas. De fato, foi uma leitura muito prazerosa. Quando Lakshmin falou sobre Desfusão Cognitiva, eu pensei "Ok, essa gata sabe do que está falando". Não é um livro com conselhos vazios, mas sim, fundamentado em teorias psicológicas com validade científica.
O capítulo sobre valores foi um dos meus preferidos e eu adorei as atividades propostas. É um exercício de autoconhecimento selecionar os valores que são mais importantes pra mim e como eles permeiam os diferentes âmbitos da minha vida.
Enfim, eu concordo com visão de autocuidado da autora, concordo com a importância de sermos mais gentis conosco, de saber impor limites e de sermos coerentes com nossos valores e vontades. Só acho que se tudo isso vier acompanhado de uma rotina de atividade física e skincare fica ainda melhor. Recomendo a leitura pra quem deseja ampliar seu conceito de autocuidado a partir de saberes cientificamente embasados. Que nossa rotina de skincare venha acompanhada de saber dizer Não e de saber respeitar nossos limites e vontades.
Título Original: Real Self-Care: A Transformative Program for Redefining Wellness
Autora: Pooja Lakshmin ✦ Páginas: 272 ✦ Tradução: Lígia Azevedo ✦ Editora: Fontanar
Livro recebido em parceria com a editora