O Que Sobra é a história de Harry, finalmente.
Finalmente porque pra quem o acompanha (tipo eu) sabe que ele sempre criticou duramente a imprensa britânica e deixou claro que odiava ser um membro da realeza por conta deles, afinal, sua mãe morreu por influência de paparazzi. E depois começou a detestar a instituição em si por ser tão conivente com a imprensa.
Havia a mesma sensação de embarcar em uma missão e não saber se eu estava preparado, ao mesmo tempo em que sabia que não havia como voltar atrás. O destino estava na selado.
Em O Que Sobra, Harry esclarece e explica inúmeras histórias falsas sobre si que saíram na imprensa britânica para salvar a pele do herdeiro, ele também justifica (quando necessário) e se responsabiliza da sua parte em diversas "polêmicas" da sua fase "problemática". Harry mostra como ele teoricamente parecia muito bem por fora, mas passou basicamente toda a sua adolescência e juventude com depressão por não saber processar o luto de perder a Diana. Inclusive, não soube processar porque na família real eles fingem que ela nunca existiu. E ele era o reserva, nunca foi cuidado da maneira correta. A falta de amor, afeto, companheirismo, irmandade... Tudo isso afetou e muito o príncipe, principalmente depois da morte da Diana, já que ela era a única que se dedicava a ele.
E se eles (Charles e William) não sabiam por que eu saí (dos deveres reais), talvez eles simplesmente não me conhecessem. De forma alguma. E talvez eles nunca tenham realmente me conhecido. E para ser justo, talvez eu também não. O pensamento me fez sentir frio e terrivelmente sozinho. Mas também me animou. Pensei: preciso contar a eles.
Harry relembra seus momentos com Diana — aqueles que ele lembra —, seu tempo no exército, e como viver aquela energia de camaradagem mudou seu ponto de vista, a saída obrigatória do exército porque novamente, a imprensa britânica arruinou sua vida e tantos outros momentos antes de Meghan. E claro, temos uma parte dedicada a esposa inspiradora de todas as outras mulheres da realeza que veio pra iluminar a vida de H. Um presente que parece ter vindo diretamente do céu das mãos de Diana, já que eles se conheceram no que seria o aniversário da princesa.
O Que Sobra vai além de uma série de memórias, é um relato corajoso de como se quebram maldições geracionais, como você sai de um ambiente tóxico e de um ciclo vicioso de trauma passado de pai pra filho. Harry escolheu romper com isso e o fez direta e sem pestanejar.
Ser um Windsor significava descobrir quais verdades eram atemporais e depois bani-las de sua mente. Significava absorver os parâmetros básicos da própria identidade, saber por instinto quem você era, o que era para sempre um subproduto de quem você não era.
Já vi falarem por aí que ele se vitimiza na leitura e se tem uma coisa que este homem não fez, foi se vitimizar. Nas vezes que vemos ele como vítima, ele realmente foi uma. Eu não sei vocês, mas se a imprensa dissesse que eu tava indo pra reabilitação por um problema com heroína e na realidade, eu só tava fazendo um compromisso DA REALEZA em uma clínica e minha família não movesse um dedo pra corrigir a história (marcando minha juventude com isso, que já não tava fácil) só pro meu pai que casou com a amante dele sair de bonzão... Não sei o que eu faria...
Ele foi uma vítima da família dele por anos, assim como a Diana e assim como Meghan é. E isso não muda porque você tem uma visão fantasiosa da realeza e manipulada por tablóide (sim, porque o Brasil trabalha no copiar e colar dos britânicos viu).
Papai estava modelando seu próprio pai? Porque ele não conhecia outra maneira de ser pai? Ou era mais subliminar, algum gene recessivo se expressando? Cada geração está condenada a repetir involuntariamente os pecados da anterior? Eu queria saber, e poderia ter perguntado, mas esse não era o tipo de coisa que você poderia questionar com o papai ou o vovô. Então tirei isso da cabeça e tentei me concentrar no bem.
O livro contém gatilhos de depressão, luto, ideação suicida e tem muito relato de guerra dos períodos que o Harry serviu no Afeganistão. A leitura é pesada na questão psicológica (porque a vida dele foi uma série de traumas), mas ele e o seu ghostwritter conseguem trazer isso de uma forma mais sutil, então você consegue ler "rápido".
Príncipe Harry sempre foi o mais popular depois da rainha Elizabeth, o mais querido, o príncipe do povo, carregando título e legado da sua mãe, Diana, e nessa leitura isso se confirma ainda mais. Que homem. E se passaram 30 e tantos anos contando história falsa sobre ele, fazendo dinheiro com ele com o aval da realeza, eles (imprensa e família real) não deveriam estar reclamando né?! Com 38 anos o Harry pôde contar seu lado. Depois de anos da gente vendo só o lado de lá.
Se a história do Harry mancha uma suposta boa reputação de fulano e ciclana, talvez eles devessem procurar ser pessoas melhores.
Enquanto isso, em meio a tudo isso, Meg conseguiu manter a calma. Apesar do que certas pessoas diziam sobre ela, nunca a ouvi falar mal de ninguém, ou para ninguém. Pelo contrário, observei-a redobrar seus esforços para ajudar, para espalhar bondade. Ela enviou notas de agradecimento manuscritas, checou os funcionários que estavam doentes, enviou cestas de comida, flores ou guloseimas para qualquer um que estivesse lutando, deprimido ou doente (...) Ela sempre dava um jeito de enxergar o melhor nas pessoas.
E não silenciar e descredibilizar o meu querido príncipe Henry. Dizer sua verdade é um ato de coragem, ser sincero sobre si mesmo como Harry foi, principalmente na posição que ele tem, é ajudar outras pessoas a serem fiéis consigo mesmas.
H, você é um orgulho. Um homem de valor, honra e serviço.
Também é preciso um tipo de amor próprio, disse Nige, e isso se manifesta como confiança. Confiança, Tenente Wales. Acredite em si mesmo - isso é tudo. Eu vi a verdade em suas palavras, mas não conseguia me imaginar colocando essa verdade em prática. O fato é que eu não acreditava em mim mesmo, não acreditava em quase nada, muito menos em mim. Sempre que eu cometia um erro, o que era frequente, eu era bastante dura com Harry.
Viva ao major Wales!