Adunni é uma garota de 14 anos que possui apenas um sonho: estudar. Mas a realidade é completamente diferente na aldeia onde mora: mesmo com a pouca idade, foi vendida pelo pai para ser a terceira esposa de um homem bem mais velho cujo principal desejo era ter um filho homem. Longe dos irmãos e do pai, Adunni não vê outra alternativa se não a de se adaptar. E ela consegue, até o momento em que se envolve numa situação extremamente perigosa que a obriga a fugir e a romper seus laços com a cidade em que cresceu.
Nesse meio tempo, Adunni é levada para trabalhar como empregada doméstica em Lagos, a maior cidade da Nigéria. Em um primeiro momento, o emprego supostamente lhe daria inúmeras oportunidades e, principalmente, dinheiro para seguir sua vida. Porém, não demorou muito tempo para a protagonista perceber que foi enganada, que ela era, na verdade, uma escrava. E mesmo sofrendo sempre em situações inimagináveis, Adunni não perdeu a esperança, não desistiu de estudar, de ser ouvida. Afinal, "amanhã será melhor que hoje".
Fiquei encantada com a escrita de Abi Daré, que conseguiu transmitir exatamente a essência da personagem. É narrado em primeira pessoa, sob o ponto de vista da personagem, uma jovem que teve pouco contato com o estudo. Sendo assim, seus pensamentos, sentimentos, tudo, são transmitidos exatamente da forma como ela fala. Por exemplo: "Tamém tem um ventilador de pé, falta duas pá do ventilador, por isso tá sempre soprano ar que deixa a sala toda quente. O papai gosta de ficar sentado na frente do ventilador de noite, com os pé cruzado e bebeno da garrafa, que virou sua esposa desde que a mamãe morreu" (p. 10).
Acredito que esse estilo de narrativa pode causar um certo estranhamento em alguns leitores, e confesso que eu mesma me senti um pouco incomodada no início. Mas ao enxergar a realidade de Adunni, pude entender completamente o artifício utilizado pela autora. E é genial, principalmente porque a cada página de um livro que Adunni conseguia ler, cada nova palavra descoberta, cada pequeno minuto que ela conseguia se esconder para estudar, era perceptível a melhora em seu vocabulário. Ao final do livro, a personagem já conversava muito mais corretamente, mostrando a importância do conhecimento.
Além disso, é claro, temos muito contato com a cultura nigeriana, que é muito vasta. Existem vários grupos étnicos diferentes, são faladas diversas línguas. Existem muitas coisas boas, mas é claro que nós enxergamos muitos de seus costumes com maus olhos. Por exemplo, na aldeia de Adunni, meninas de 14 ou 15 anos já estavam prontas para casar. O machismo não está presente apenas nesse ponto na história criada por Daré, é claro. Não importa qual a classe social, uma mulher nunca terá os mesmos direitos que os homens, ainda que seja bem sucedida. Mas convenhamos que isso não é exclusividade dos países africanos, não é mesmo?
A Garota Que Não Se Calou não é uma leitura fácil, no fim das contas. Por mais que a escrita seja singela e simples, os acontecimentos que permeiam a vida de Adunni são brutais, em sua maioria. Ainda assim, é interessante como a autora sempre faz questão de deixar um sopro de esperança em meio ao caos, e por isso traz uma moral bonita. Não sou fã desse lance de "histórias de superação" porque escancaram a desigualdade em que vivemos, mas como não se apaixonar por uma menina humilde que superou todas as expectativas? Que mostrou que sim, a educação tem valor, mais valor que qualquer dinheiro no mundo?
Os questionamentos de Adunni me deixaram cheia de reflexões, o seu olhar sob as coisas me inspirou muito, me encheu de fé. Depois de ter contato com uma personagem tão inabalável, tenho total certeza que sim, amanhã será melhor que hoje.