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24 de junho de 2024

Recursão, de Blake Crouch: uma história sobre memórias e identidade


Se você é leitor, você provavelmente já ouviu falar em Blake Crouch. Autor de livros renomados da ficção científica contemporânea, como Matéria Escura, Recursão, Upgrade e Forward, Blake tem lançado sucesso atrás de sucesso e seus livros já tem chamado a atenção de grandes produtoras de filmes e séries. Depois de ler Matéria Escura e me encantar com a escrita do autor, decidi encarar Recusão também. E, apesar de estar um pouco atrasada, já que Recursão foi lançado no Brasil pela Intrínseca em 2020, valeu muito a pena pegar esse livro pra ler agora.

Em Recursão acompanhamos dois protagonistas: Barry, detetive divorciado que perdeu a filha adolescente e que se vê envolvido num caso bastante peculiar, e Helena, cientista que desenvolve pesquisas no campo da memória, motivada principalmente pelo desejo de ajudar a sua mãe que tem Alzheimer. As histórias de Barry e Helena não são paralelas. Na verdade, 11 anos separam uma narrativa da outra. A narrativa da Helena começa em 2007, enquanto a de Barry se inicia em 2018.

O primeiro capítulo do livro já conseguiu me fisgar. Barry recebe um chamado para ir até um prédio onde uma mulher está prestes a se jogar. Chegando lá, Barry e a mulher tem um breve dialogo em que ela conta para ele que está doente. Segundo a mulher, ela sofre de uma doença chamada Síndrome da Falsa Memória, ou SFM, uma doença que faz com que suas vítimas tenham lembranças vívidas e detalhadas de vidas que elas não viveram, como se a memória da pessoa se bifurcasse e ela passa a se lembrar de duas vidas diferentes. Acontece que, para essa mulher, a vida que não existiu, das memórias falsas, é muito melhor do que sua vida real e ela não suporta a dor de não estar vivendo aquela vida.

É fácil perceber que o tema da memória conecta esses dois personagens. Helena estuda isso, enquanto Barry lida com um caso envolvendo alterações de memória. Esse é o primeiro grande mistério do livro: de que forma as histórias de Helena e Barry irão se conectar? Essa pergunta é respondida em torno da página 100 e, diferentemente do que aconteceu em Matéria Escura, que eu achei que o autor demorou demais para fazer seus personagens entenderem o que estava acontecendo, porque era óbvio, em Recursão eu acho que tudo acontece no tempo certo. O leitor vive a história junto com os personagens, fazendo as descobertas ao mesmo tempo que eles, sem gerar aquela frustração de já saber algo que o personagem ainda não sabe ou vice-versa.

Ambas as histórias são muito interessantes e eu não tive aquele problema de querer ficar voltando para outro narrativa. Na verdade, eu consegui me envolver com as duas e curtir a leitura integralmente. Os capítulos de Barry nos remetem ao gênero thriller, já que ele fica obcecado em investigar o caso da moça que ele conheceu no início do livro e tentando conectar pontas soltas. Em determinado momento, Barry contrai a SFM e, a partir daí, o ritmo do livro fica mais rápido e a narrativa mais intrigante. Enquanto isso, acompanhamos Helena em seus estudos e vemos sua pesquisa tomar um rumo inesperado que pode mudar tudo.

Memória é sempre um tema que me chama a atenção e eu adoro histórias que falam sobre o assunto porque é impossível falar de memória sem falar de identidade e personalidade. A sua personalidade é a combinação de todas as suas memórias. Tudo que você viveu forma a sua identidade. Então, se, de um dia para o outro, você se lembra de eventos diferentes, quem você é também muda. Inclusive, no início do livro tem uma frase do escritor Nabokov que diz "O tempo não passa de memórias sendo escritas" e essa frase se conecta perfeitamente com a história.

Assim como fez em Matéria Escura, Blake Crouch consegue trabalhar conceitos científico complexos em Recursão de uma forma acessível para qualquer pessoa, fornecendo explicações claras e pontuais, sem fazer com que o livro parece um livro didático ou técnico. Isso foi uma das coisas que eu mais gostei na escrita do autor: ele entende que seus leitores não são cientistas e que, portanto, precisam de explicações, mas também presume que não somos burros ao ponto de precisar de uma aula ilustrada. Ao longo das explicações, o autor insere conceitos mais simples e populares para ajudar nas explicações, como os déjà-vus e o Efeito Mandela, deixando tudo ainda mais dinâmico e interessante.

Recursão é dividido em cinco livros, além do Epílogo. No Livro Um, o leitor ainda não entendeu exatamente o que está acontecendo e a revelação é feita no final dessa primeira parte. O Livro Dois é absurdamente bom, talvez o meu preferido, cheio de conceitos, explicações complexas, diálogos riquíssimos e cenas de doer o coração. A palavra Recursão pode ser definida como o ato de repetir a mesma coisa de maneira similar e é nesse Livro Dois que entendemos o porquê de esse ser o nome do livro, quando as coisas começam a se repetir de um jeito muito intrigante na história. É a partir do Livro Três que as histórias de Helena e Barry se encontram finalmente e o livro assume um ritmo mais acelerado. O Livro Quatro é o suco do caos e debates morais complementam a história. Dá pra mexer no tempo e manipular a história do mundo só em pontos específicos para tornar o mundo melhor? Ou o efeito borboleta é inevitável? Cada um dos cinco livros termina com uma reviravolta que provoca o leitor e o instiga a continuar lendo sem parar.

Hollywood já nos deu incontáveis histórias para provar que mexer com o tempo não é uma boa ideia. Porém, outra qualidade de Blake Crouch é pegar um tema batido e conseguir criar algo novo, que ninguém fez antes. O autor consegue lançar um olhar novo sobre algo que parecia esgotado. A mente desse homem me surpreender e hoje eu tenho certeza que ele merece todo o sucesso que vem conquistando. Leiam Recursão. Leiam Blake Crouch.

Título Original: Recursion ✦ Autor: Blake Crouch  
Páginas: 320 ✦ Tradução: Sheila Louzada ✦ Editora: Intrínseca
Livro recebido em parceria com a editora
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20 de junho de 2024

A Incrível Lavanderia dos Corações, de Yun Jungeun, e a Literatura de Cura


Recentemente, eu conheci o termo Literatura de Cura, um novo gênero literário que está surgindo e que se destaca pelas histórias reconfortantes e singelas. São livros que transmitem sensação de conforto e empatia, o famoso "quentinho no coração", esses romances buscam mostrar o que há de extraordinário no ordinário e no comum. Normalmente, essas histórias são curtas e se passam em cenários simples e cotidianos, como livrarias, cafeterias, lojas de conveniência ou lavanderias. As capas desses livros também guardam semelhanças e costumam vir em tons pastéis e ilustrar cenários. Alguns exemplos que podemos citar são: Bem-Vindos à Livraria Hyunam-Dong, A Inconveniente Loja de Conveniências e A Biblioteca dos Sonhos Secretos. Essa tendência literária parece ganhar força na Coreia do Sul e, por isso, muitos dos livros que se encaixam nesse estilo vêm de lá, assim como muito do que temos consumido em termos de cultura, música e séries.

Literatura de Cura são aqueles livros que combinam com dias mais frios, para ler em baixo das cobertas ou tomando um chá. Sem grandes emoções, essas histórias costumam ser do tipo "sobre nada e sobre tudo ao mesmo tempo" e normalmente tratam das relações humanas, da saúde mental e do poder curativo do afeto. E agora, a editora Intrínseca trouxe mais uma história nesse estilo para os leitores brasileiros: A Incrível Lavanderia dos Corações é o primeiro romance publicado no Brasil da ensaísta Yun Jungeun e traz elementos fantásticos como novidade para o gênero.

O começo do livro me prendeu rapidamente, ao descrever uma vila com poderes mágicos onde "havia fartura de comida e as risadas nunca cessavam, e, por viverem com pureza no olhar e no coração, os habitantes não sabiam o que era ódio, sofrimento ou tristeza. Estavam sempre em harmonia, pois ninguém fazia qualquer comentário maldoso." Neste local, nasce uma criança com poderes mágicos, capaz de aliviar a tristeza das pessoas e de realizar desejos. Numa noite, os pais da garota desaparecem e ela atravessa "séculos e mundos, renascendo inúmeras vezes" em busca de seus pais. Cansada de tanto tentar, ela decide parar e viver. É nesse momento que Jieun cria a Lavanderia dos Corações, um lugar que tira as manchas dos corações e apaga as lembranças tristes, bem no estilo Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças. Ou Brilho Eterno de um Coração sem Manchas.

A Incrível Lavanderia dos Corações não é muito diferente de Bem-Vindos à Livraria Hyunam-Dong, que eu já resenhei aqui para o blog. Ambos apresentam vários personagens e contam, mesmo que brevemente, as suas histórias. É interessante, mas confesso que não é um recurso narrativo que eu goste muito, pois sinto que fica difícil de me apegar aos personagens, já que eles surgem e não permanecem por muito tempo. Alguns histórias são mais interessantes que outras. Alguns personagens são mais marcantes que outros. E, no fim, a história parece uma sequência de contos que se interligam.

O processo da lavanderia lembra muito um processo terapêutico. As pessoas chegam, falam sobre suas dores e apontam o que elas querem trabalhar (ou, no caso da lavanderia, o que elas querem apagar). Os diálogos são bem profundos e simbólicos e é preciso estar na vibe do livro pra não achar tudo um tanto quanto piegas. Por exemplo: "A partir de hoje, eu escolho sorrir. Não dá pra decidir o que acontece na nossa vida, mas podemos escolher se vamos sorrir ou chorar." Bonitinho, mas um pouco cafona.

A Ficção de Cura reacende o debate sobre o quanto as pessoas estão exaustas da correria da vida moderna e recorrendo ao entretenimento simples e aconchegante. Há demanda por esse tipo de história justamente porque muitas pessoas, quando escolhem um livro para ler, querem ler algo que reforce o lado bonito da vida e que exclua, ou ao menos minimize, o lado feio. O leitor dos romances de cura é o oposto do leitor de desgraceira. Qual é você? Particularmente, sou mais leitora de tragédias e desgraças, mas, de vez em quando, também sinto a necessidade de ler algo que conforta e aquece.

Gostei de A Incrível Lavanderia dos Corações, principalmente por trazer elementos fantásticos para a história, o que também poderia classificá-lo como realismo mágico. Recomendo para quem está em busca de uma leitura fofa que traga conforto.

Título Original: Marigold Mind Laundry
Autora: Yun Jungeun ✦ Páginas: 208 ✦ Tradução: Núbia Tropéia ✦ Editora: Intrínseca
Livro recebido em parceria com a editora
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17 de junho de 2024

Top Comentarista: Junho 2024


É meus amores, dessa vez eu me superei mesmo, 17 dias de atraso. Obviamente vou usar minha cartada de grávida, já que tô simplesmente exausta e sem ânimo pra fazer qualquer coisa. Sendo bem sincera, nunca pensei que chegaria em junho tendo lido apenas seis livros durante o ano inteiro, mas a verdade é que tô achando tudo muito chato. Quem sabe num acho alguma coisa legal por aí? Indicações? Enfim, num podia deixar vocês na mão e resolvi soltar o top comentarista da mesma forma, ainda mais que tá cheio de post das meninas nos rascunhos!

Bom, as regrinhas vocês já sabem de cor, mas não custa relembrar, né? Nos primórdios do blog, era obrigatório comentar em todas as postagens para não ser desclassificado do concurso, mas agora vocês são sorteados a partir dos comentários. Isso significa que não é obrigatório comentar em todos os posts: cada comentário que vocês fizerem devem ser cadastrados no formulário do Rafflecopter, que só aceita uma entrada por dia — recomendo que vocês comentem e preencham o formulário sempre que sair post novo, já que quanto mais comentários cadastrados, maior a chance de ganhar. Todos os meses um comentário será sorteado pelo aplicativo.

Atenção: só preencha o formulário nos dias em que comentar no blog. Por exemplo, se em determinado mês tiverem 13 posts, o número máximo de entradas que cada participante pode ter no formulário é 13! Outra coisinha: já tem alguns anos que o Rafflecopter não é mais responsivo, então acho que no computador a visualização fica melhor! Até pensei em fazer o formulário pelo Google, mas o sorteio é mais trabalhoso para mim. Quaisquer dúvidas, podem entrar em contato comigo no Twitter ou Instagram! 💖

O prêmio é um vale de trinta reais na Amazon! Ah, as chances extras continuam: comentar nos posts do Instagram e tweetar sobre o top todos os dias em que tiver postagem nova por aqui, então aproveitem! Caso tenha restado alguma dúvida, podem me procurar nas redes sociais, tá bom?

Observações
- O período de validade desse top comentarista é de 17/06/2024 à 30/06/2024. Cada comentário que vocês fizerem devem ser cadastrados no formulário do Rafflecopter, que só aceita uma entrada por dia.
Não serão computados comentários genéricos, só aqueles que exprimem a opinião do leitor e mostram que ele realmente leu o post. Comentários plagiados de outras plataformas (lembrem-se que plágio é crime) ou que se repetem em outros blogs não serão considerados. Comentários do tipo serão excluídos sem aviso prévio e o participante será automaticamente desclassificado;
- É permitido apenas um comentário por post;
- É obrigatório seguir o Roendo Livros via GFC e seguir o perfil @anadoroendo no Instagram para validar a participação;
- A entrada "tweet about de giveaway" só será válida se a pessoa estiver seguindo o Twitter informado (@anadoroendo);
- Após o término do top, o Roendo Livros tem até 15 dias para divulgar o resultado;
- O ganhador tem 48h para responder o e-mail com os dados de envio, caso contrário o sorteio será refeito. O livro escolhido (na faixa de preço estabelecida) deverá ser informado no corpo do e-mail;
- Após feito o contato, o prêmio será enviado dentro de até 60 dias úteis;
- Para o livro ser enviado, é necessário que o ganhador passe o número do CPF para a Ana, já que agora os Correios solicitam uma declaração de conteúdo (saiba mais aqui) Só participe do sorteio se estiver de acordo;
- O Roendo Livros não se responsabiliza por extravio ou atraso na entrega dos Correios, bem como danos causados no livro. Assim como não se responsabiliza por entrega não efetuada por motivos de endereço incorreto, fornecido pelo próprio ganhador, e ausência de recebedor. O livro não será enviado novamente;
- O Roendo Livros se reserva o direito de dirimir questões não previstas neste regulamento.
- Este concurso é de caráter recreativo/cultural, conforme item II do artigo 3º da Lei 5.768 de 20/12/71 e dispensa autorização do Ministério da Fazenda e da Justiça, não está vinculada à compra e/ou aquisição de produtos e serviços e a participação é gratuita.
a Rafflecopter giveaway

17 de maio de 2024

A Última Casa da Rua Needless, de Catriona Ward, é um dos 50 melhores livros de terror de todos os tempos?


Didi perdeu sua irmã Lulu muito cedo. Era um dia de verão muito quente a beira do lago lotado e Lulu estava incomodando a irmã mais velha, que decidiu sair sem ela e sem a supervisão dos pais, para um mergulho. Ao voltar para seu lugar, Didi descobre que a irmã tinha sumido e foi aí que tudo começou a desandar. Ela entendeu que não veria mais a caçula naquele dia — ou em dia nenhum — e não sabia como podia ajudar. Foi assim que Didi cresceu, procurando pela irmã incansavelmente, sozinha, mas sem nunca perder as esperanças.

É aí que um dia ela dá de cara com uma pista inacreditável. Ted Bannerman era o suspeito número um e ela sabia disso, mas parece que a polícia tinha resolvido ignorar que tudo nele gritava culpado. Por isso ela resolve se mudar para a casa do lado de Ted e investigar ela mesma. Quando tudo estiver resolvido ela vai chamar a polícia e essa história vai ter um final feliz. Didi vai poder abraçar a irmã que com certeza está viva, esperando por sua ajuda.

Em paralelo Ted vive com sua filha Lauren (uma menina muito problemática, que vive agredindo o pai) e sua gata Olívia. É um cara sozinho, que bebe demais, vive esquecendo das coisas e parece cada dia mais debilitado. Depois de ter sido considerado suspeito no desaparecimento de Lulu, sua vida virou de cabeça para baixo. Sua casa na Rua Needless começou a ser alvo de pessoas raivosas que não aceitavam que ele havia sido inocentado. Ele passou a se esconder, colocou tábuas nas janelas e depois disso era raramente visto a luz do dia, do lado de fora.

Temos também a visão de Olívia, a gata de Ted. Ela é apenas o animal de estimação, mas que ama seu dono incondicionalmente, e começa a perceber que alguma coisa não está certa. Através de Olívia nós entendemos um pouco mais da dinâmica da casa, de como Ted era com os pais que se foram, do relacionamento extremamente tóxico de Ted com sua filha e começamos a sentir que o quebra-cabeças está sendo formado.

Sim, nós temos a visão de um gato nesse livro, o que já achei incrível, para dizer o mínimo. Os três principais narradores da história são Didi, Ted e Olívia e assim vamos costurando os retalhos da história, tentando encaixar as coisas aos pouquinhos. Seria Ted realmente o culpado? Lulu está viva? Didi vai ter sucesso nessa caçada? O pior mesmo é que essas perguntas são o começo do iceberg, que se mostra muito mais fundo do que qualquer um é capaz de prever.

Esse foi um livro que comprei no escuro, não sabia do que se tratava, apenas de que era de terror. Ao folhear inclusive você já vê muitos elogios e depoimentos, o que para mim já grita red flag. Afinal, penso que algo que precisa se promover tanto, pode não ser tão bom no final. E eu estava redondamente enganada! Que livro incrível!

Não consigo falar muito sobre o desenvolvimento da história porque qualquer coisa a mais seria um baita spoiler, mas eu já adianto que até uns 80% do livro você acha que sacou o que está acontecendo, mas nos 45 do segundo tempo a autora consegue te tapear. Acredite se quiser, a resolução pode ser chocante e ir contra tudo que você formulou durante a leitura.

Definitivamente pode não ser um dos melhores livros de terror do mundo, principalmente se você for como eu, calejada no gênero, mas com certeza vou manter na minha estante e vou panfletar com todas as forças, até para os não amantes do terror.

Título Original: The Last House on Needless Street ✦ Autor: Catriona Ward
Páginas: 352 ✦ Tradução: Thereza Christina Rocque da Motta ✦ Editora: Jangada
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13 de maio de 2024

Para Toda a Eternidade, de Caitlin Doughty, ou um breve manual de como a morte é retratada pelo mundo


Caitlin Doughty é uma blogueira, podcaster e escritora, que por um acaso é também uma agente funerária muito famosa não só lá nos Estados Unidos, mas também ao redor do globo. Tive a oportunidade de conhecer essa mulher incrível em 2019, quando ela esteve aqui lançando Para Toda a Eternidade (e você pode ler sobre um pouquinho desse dia aqui, foi muito legal).

Também da autora:
✦ Verdades do Além-Túmulo

Mas vocês devem estar se perguntando os motivos de eu ter demorado de 2019 até 2024 para escrever sobre esse livro. E a verdade é que eu não tinha juntado meus caquinhos para ler ele. Na época em que conheci a Caitlin, as coisas estavam muito ruins mesmo no meu lado pessoal (com a pandemia piorou muito) e ela me proporcionou risadas e um alívio muito grande.

É assim que ela também escreve. Para Toda a Eternidade é um livro que fala sobre a cultura da morte em diversas partes do mundo, desde as mais conhecidas como o Dia De Los Muertos, mas também sobre tribos remotas e práticas que a sociedade ocidental considera até mesmo criminosas (como manter seus mortos em casa, mumificação, cerimônias de cremação diferenciadas e afins).

A autora usa da sua influência e contatos no meio funerário para ir a muitos países e entender um pouco mais sobre um assunto que é tão evitado em tantos lugares. Mas a morte nada mais é do que uma das etapas da vida, e o que Caitlin mais deseja é poder desmistificar outros costumes, além de entender a importância de sermos ecológicos e conscientes nesse processo.

Com um humor impecável e uma escrita leve, ainda que realista, é mais um dos livros da autora que eu indico para toda e qualquer pessoa, sem contra indicações. Acho que além de tratar a morte com naturalidade, gosto das reflexões que Caitlin traz, principalmente quando envolve crenças e até mesmo como o capitalismo influencia nos funerais e rituais. E sim, ela ainda é minha agente funerária favorita de todos os tempos.

Título Original: From Here to Eternity: Travelling the World to Find the Good Death ✦ Autor: Caitlin Doughty
Páginas: 224 ✦ Tradução: Regiane Winarski ✦ Editora: Darkside Books

9 de maio de 2024

Perfeita (na Teoria), de Sophie Gonzales, e a bifobia internalizada de pessoas queer

Parece que a leitura de livros YA está se tornando recorrente na minha vida, e é claro que Perfeita (na Teoria) da Sophie Gonzales estava na minha lista. Sinceramente, não quis saber nada sobre ele antes de começar, e eu acho que quanto mais me mantenho assim, mais gosto da leitura. Mas vou falar sobre ele hoje, já que virou um dos favoritos do ano!

Darcy Phillips tem dezesseis anos e de alguma forma conseguiu a senha do Armário 89. Desde então, começou a oferecer conselhos de relacionamentos — de forma anônima — na sua escola. Para receber o serviço era simples: você escrevia uma carta com sua dúvida, junto de um endereço de e-mail e uma nota de dez dólares e colocava no armário. Pronto, em breve você teria uma resposta. De imediato foi um sucesso, afinal ela era boa nisso e adolescentes estão sempre precisando de conselhos.

Mas é claro que, com tanta experiência, Darcy estaria com seus próprios relacionamentos em dia né? Muito pelo contrário! Sua paixão pela melhor amiga Brooke a consome e ela não sabe nem por onde começar a resolver a situação.

Não fosse por esse pequeno probleminha, tudo estava correndo perfeitamente bem, até que Alexander Brougham resolve contratar os serviços do armário para ajudá-lo. Só que ele não queria que fosse de forma anônima, pois achou que seu problema era muito complexo e precisaria de mais do que um conselho por e-mail. É então que ele pega Darcy no flagra depois da hora na escola, recolhendo as cartas, e oferece muito dinheiro para que ela o ajude. Em troca ele não contará seu segredo (além dele ser riquinho, então ela ficaria com zero remorso de receber 50 dólares pelo coaching em relacionamentos).

Ambos se detestam. Brougham por precisar dos serviços de Darcy, e ela por ter que falar com um menino tão metido e insuportável. Mas até que ele é bem bonitinho, ela só não entende qual é a dele e nem onde isso vai parar. Com o tempo as coisas vão ficando estranhas, a situação sai do controle de Darcy e tudo explode de uma só vez.

Acho que o que fez eu gostar tanto de Perfeita (na Teoria) foi o fato de me identificar com ela. Às vezes nos entender como parte da comunidade LGBTQIAP+ é muito complexo. Ser bissexual, então... Porque assim, somos invalidados o tempo inteiro, independente da configuração do relacionamento: se estamos com uma menina é um eterno "não sabia que fulana era lésbica", se estamos com um menino, por outro lado, não acreditam na nossa bissexualidade, e isso é muito cansativo. 

Então, acaba que o livro trata da bifobia internalizada de pessoas queer, porque os questionamentos da sociedade e até mesmo da comunidade, de certa forma, são tantos que a gente começa a se questionar. Vejam bem, Darcy é apaixonada pela melhor amiga há séculos, e tudo bem, mas não conseguia aceitar que estava nutrindo sentimentos por Alexander. Tipo assim, que bissexual é essa que tá se apaixonando por um cara cis-hétero-aparentemente-babaca, né? Gostei muito de acompanhar essa dinâmica e fazia tempos que procurava por um livro assim.

— Isso. É quando bissexuais começam a acreditar na bifobia que nos cerca. Ouvimos que nossa sexualidade não existe, ou que somos héteros se estamos com alguém de outro gênero, e que nossos sentimentos não valem se nunca namorados alguém de determinado gênero, esse tipo de baboseira. Aí a gente escuta isso tanto que acaba duvidando de si — p. 298

Além da representatividade LGBTQIAP+, Perfeita (na Teoria) fala sobre relacionamentos famíliares, amizade, apego, amadurecimento. Inclusive acho que vale salientar que a sensação que eu tive lendo ele, foi a mesma de Para Todos os Garotos Que Já Amei da Jenny Han. Me fez sentir eufórica, ansiosa, nervosa e feliz com o rumo da história. Enfim, é um livro ótimo e muito amorzinho.

Antes de ir embora, queria deixar essa fala que está nos agradecimentos da Sophie Gonzales, em que ela fala um pouquinho sobre o objetivo dela com Perfeita (na Teoria) e o quão especial ele é:

Pela primeira vez, a primeiríssima vez, eu acreditei neles de verdade. Que meus relacionamentos não mudavam quem eu era. E que, mesmo se outras pessoas não concordassem, todo mundo naquela saia me apoiaria sem pensar duas vezes. Eu estava com eles, eles estavam comigo, e estávamos todos juntos. Uma comunidade dentro de uma comunidade dentro de uma comunidade. Sem perguntas. Sem provas. Sem documentos comprovatórios.
A gente pertencia ao grupo por pertencer — p. 345

P.s.: até agora não acredito que o título desse livro não é Querido Armário 89 ou algo do tipo! Agora eu vou de verdade!

Título Original: Perfect on Paper: A Novel ✦ Autor: Sophie Gonzales
Páginas: 352 ✦ Tradução: Sofia Soter ✦ Editora: Seguinte
Livro recebido em parceria com a editora
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