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23 de janeiro de 2025

Os Cincos Sobreviventes: mais um ótimo suspense de Holly Jackson, autora do sucesso Manual de Assassinato para Boas Garotas


Como vocês bem sabem, não fui uma leitora assídua em 2024. Consequentemente, não escrevi muitas resenhas. Aliás, parando para pensar aqui, acho que escrevi um total de vários nadas ano passado. Enfim, Os Cincos Sobreviventes foi um dos últimos livros que li antes desse hiato na minha vida e é a primeira resenha que escrevo depois de muito, muito tempo. Peguem leve comigo, pelo amor de Deus!

Holly Jackson ficou conhecida depois que sua trilogia, Manual de Assassinato Para Boas Garotas, explodiu nas bolhas literárias. Gostei demais da história — inclusive do desfecho, que foi considerado muito controverso para várias pessoas —, principalmente porque a autora conduz uma personagem adolescente resolvendo um mistério de forma muito legal, sem deixar pontas soltas. Tô divagando sobre isso porque achei que a Holly conseguiu repetir esse feito em Os Cincos Sobreviventes

Aqui, conhecemos seis adolescentes que decidem viajar juntos para a praia para comemorar o fim do ensino médio. Para isso, eles alugam um trailer que, feliz ou infelizmente, nunca chegará ao destino final. No meio da noite, no meio do nada, todos os pneus do veículo furam ao mesmo tempo e ele fica sem gasolina. Como se não fosse possível ficar pior, todos eles ficam sem sinal de celular. Porém, é só quando tiros começam a atingir o trailer, que eles entendem que caíram numa emboscada. O atirador tem um alvo e ele quer uma coisa específica dele: um segredo inconfessável. 

A gente acompanha essa confusão toda pelos olhos da Red, a personagem mais desajustada do grupo. Ela é órfã de mãe, tem pai é alcoólatra e digamos que ela não tem muito dinheiro sobrando, diferentemente dos seus colegas. A dinâmica dela com os outros personagens foi interessante de acompanhar. Como o próprio título do livro já diz, a gente já começa a leitura sabendo que alguém vai morrer, a expectativa é essa. A questão é que aparentemente todos os seis protagonistas guardam ao menos um segredo muito cabeludo, inclusive a narradora, então não dá para saber o que a pessoa armada tá querendo.

Toda a história se passa durante uma madrugada, então tem tensão de sobra. Parece muito aqueles filmes que passam na Sessão da Tarde, tipo O Trem Desgovernado, em que as pessoas ficam boa parte da trama tentando escapar de uma situação de risco que não parece ter escapatória, sabem? Então a primeira metade de Os Cincos Sobreviventes tem esse marasmo, o que pode desagradar alguns leitores. Eu, particularmente, acho angustiante e gosto da construção do ambiente, mas é óbvio que as coisas esquentam mesmo quando as informações começam a aparecer e conseguimos fazer conexões.

Fato é: Holly Jackson é a deusa do plot twist. Por mais que existam elementos clichês e que algumas coisas pareçam óbvias, é praticamente impossível descobrir o que ela tá preparando para o final. E não se enganem, nenhum mísero elemento é colocado na trama em vão. Uma fala "inocente" aqui, uma lembrança aparentemente boba acolá, tudo é usado para amarrar a situação em que o grupo está envolvido. Eu gostei demais, demais. 

Agora, outra coisa que a Holly também é especialista é fazer a gente odiar personagens, misericórdia. Primeiro temos Max Hastings em Manual de Assassinato, odiável até o último fio de cabelo... Mas acreditem ou não, ela conseguiu se superar com o Oliver nessa história aqui. Juro, ô carinha intragável, meu Deus. Como assim o restante dos protagonistas eram amigos de um ser tão detestável e, pior, resolveram carregar ele para um passeio por livre e espontânea vontade? E olha que nem precisou ele se revelar muito pra eu querer que ele fosse de base.

Para quem gosta de um bom suspense, acho que Os Cincos Sobreviventes pode agradar bastante. Só gosto de lembrar sempre que os personagens são adolescentes, e adolescentes são inconsequentes por natureza, então não esperem uma grande maturidade ou resoluções muito complexas. Ouso dizer que um dos maiores feitos da Holly Jackson é justamente conseguir trabalhar com mentes tão voláteis e ainda assim criar tramas tão fechadinhas, que não ficam atrás dos maiores livros do gênero. 

Título Original: Five Survive ✦ Autora: Holly Jackson
Páginas: 448 ✦ Tradução: Karoline Melo ✦ Editora: Intrínseca
Livro recebido em parceria com a editora

12 de janeiro de 2025

Os Sussurros, de Ashely Audrain, um thriller sobre maternidade, sonhos e desilusões


Apesar de viverem na mesma vizinhança, Mara, Rebecca, Blair e Whitney são quatro mulheres muito diferentes.
Mara já tem certa idade, é imigrante, perdeu tanto o filho quanto o marido e se vê sozinha e sem rumo. Rebecca é uma médica jovem, que gosta muito da sua vida até ficar obcecada por ter um bebê — coisa que não consegue. Blair largou orgulhosamente tudo para cuidar de sua filha, seu marido e sua casa, mas descobre que está sendo traída e seu mundo está prestes a desmoronar. Whitney tem a vida perfeita, a casa perfeita, marido perfeito, emprego perfeito e filhos... Que ela não queria ter.

Tudo muda quando o filho mais velho de Whitney, Xavier, sofre um grave acidente no meio da noite, caindo da janela de seu quarto no segundo andar da casa. Ela vai até o hospital com ele, mas se recusa a falar com qualquer pessoa sobre o ocorrido. No dia do acidente seu marido estava viajando e já que Xavier entra em coma, não existe outra versão da história. Sendo assim, ela passa a ser vigiada de perto por Blair, sua melhor amiga, Mara, sua vizinha e Rebecca, a médica que está desesperada pela vida de Xavier, até mais do que a própria Whitney.

É assim que vemos que a vida dessas mulheres está longe de ser perfeita, que as coisas estão se arruinando e elas preferem a todo custo viver de aparências e faz-de-conta. Mas até quando?

Confesso que solicitei esse livro pela capa e também pela história que me parecia bastante interessante. Não quero dizer que eu estava enganada, pois achei a escrita de Audrain muito boa. Ela vai desenvolvendo as quatro personagens principais de maneiras separadas, mas que mesmo assim se entrelaçam por causa do acidente, de uma maneira muito inteligente. Por isso acredito que o livro tenha sido ótimo para muitas pessoas, não existem mocinhos ou vilões, apenas pessoas falhas, como todos nós. Mas infelizmente não foi a melhor leitura do meu ano. Longe disso.

A história gira em torno de questões como maternidade, família, drama, inveja, amizade e desilusões. Acho que esse é o grande motivo para eu não ter achado um livro incrível. Como eu disse, a autora sabe escrever suas personagens e sua história, mas eu pouco me identifico com o tema maternidade, já que é um assunto que não faz parte da minha vida (e nem pretendo), onde as protagonistas são mães (ou querem ser, ou são e não querem — e as implicações disso) e as grandes questões giram em torno disso. Então as circunstâncias que essas mulheres se enfiam beiram ao absurdo para mim. Fora que achei o final um tanto corrido e meio previsível também. Nos últimos capítulos você já consegue ter certeza absoluta do que aconteceu naquela noite.

Acredito que Os Sussurros é um livro que possa funcionar caso você se interesse por esses assuntos que citei. Inclusive, podem usar o mesmo raciocínio para o outro livro da autora, O Impulso. Lembrando também que é um livro pesado, classificação adulta, pois além do acidente, existem cenas +18. Honestamente, é um livro que até curti mas que não manterei na minha estante.

Título Original: The Whispers: A Novel ✦ Autora: Ashely Audrain
Páginas: 352 ✦ Tradução: Lígia Azevedo ✦ Editora: Paralela
Livro recebido em parceria com a editora

8 de janeiro de 2025

Conectadas, de Clara Alves, continua sendo o queridinho do momento mesmo após anos do seu lançamento


Para comemorar os 5 anos do lançamento de Conectadas da Clara Alves, a editora Seguinte produziu uma edição belíssima e nos enviou. Com capa dura, guardas ilustradas, laterais coloridas e um trabalho incrível de diagramação, esse é o queridinho do momento (de novo). Mas se você não faz ideia do que se trata essa história, vem que eu te conto um pouquinho!

Raíssa e Ayla são duas garotas apaixonadas por games e é exatamente isso que as conecta. Através de Feéricos, um dos jogos mais populares do momento, as duas se tornam amigas e não se desgrudam mais. Acontece que elas passam tanto tempo juntas (mesmo que online) que a amizade se transforma em paixão. Mas existe um pequeno grande problema nessa história toda... Raíssa finge ser um garoto dentro do jogo, então Ayla não faz ideia de que ela conversa esse tempo todo com uma menina.

Raíssa não quer perder a menina que ama, mas também não se sente pronta pra contar tudo. Não é tão ruim, afinal, elas não moram na mesma cidade... A probabilidade de ser encontrarem pessoalmente é baixa, certo? Errado! Uma feira de Feéricos está prestes a acontecer em São Paulo e é aí que as coisas complicam de vez, pois é o lugar perfeito para esse encontro rolar.

Deve ser horrível ter que fingir ser outra pessoa pra poder ficar perto de quem você ama. Mas acho que deve ser ainda pior não poder estar perto dela — p. 285

O livro é dividido em dois pontos de vista intercalados, de Ayla e Raíssa, é claro. Uma coisa que achei muito divertida também é que temos os chats das conversas ali, e não só transcrições. Eu não tive acesso à primeira edição, então me diverti bastante com essa! Adoro quando o livro tem esse tipo de coisas inseridas (embora eu saiba que tem gente que detesta HAHAHA).

Então essa é uma história de amizade, amor, descobertas, expectativas, representatividade LGBTQIAP+ e tudo isso dentro do universo adolescente. Sinto que é uma obra muito importante para essa geração, já que no meu tempo (véia) a gente não imaginava se ver representado como protagonista em obra alguma. Como uma pessoa da comunidade me senti abraçada, achei um livro fofo de mais.

Uma das coisas mais difíceis de ser LGBTQIAP+ (dentre outras milhares de coisas muito difíceis) é lidar com o fato de que você vai precisar se assumir mais de uma vez.
Na verdade você vai precisar se assumir todos os dias.
O tempo todo.
Para várias pessoas.
E as vezes — muitas vezes — você vai precisar se esconder — p. 313

Ressalto aqui a importância também de enaltecermos autores brasileiros. Costumo trazer muitos autores de fora nas minhas resenhas, mas tenho cada vez mais tentado ser uma leitora mais consciente e engajada com meu próprio país. Por isso vou deixar aqui mais duas autoras brasileiras que eu amo e escrevem nessa pegada de histórias adolescentes: Iris Figueiredo (que conheci pessoalmente no encontrinho de autores que a Companhia das Letras promoveu em 2022) e Gih Alves que vai do romance ao horror <3

Título Original: Conectadas ✦ Autora: Clara Alves
Páginas: 352 ✦ Editora: Seguinte
Livro recebido em parceria com a editora
Ajude o blog comprando os livros através do nosso link!

3 de janeiro de 2025

"Eu disse que ele viria, nasceu..."

E eu nem sabia como seria
Alguém prevenia
Filho é pro mundo
Não, o meu é meu
Sentia a necessidade de ter algo na vida
Buscava o amor das coisas desejadas
Então pensei que amaria muito mais
Alguém que saiu de dentro de mim e mais nada
Me sentia como a terra: Sagrada
— Mãe, Emicida

1 de janeiro de 2025

Top Comentarista: Janeiro 2025

2024 foi um ano tão conturbado para mim e para o Roendo Livros que pensei seriamente em pular do barco. Li praticamente nada, estudei praticamente nada, rendi praticamente nada. Inclusive, não estranhem a ausência de retrospectivas agora em janeiro, tá? Enfim, coloquei uma pessoa no mundo e vivo em função de cuidar dela, o que é muita coisa mesmo, mas às vezes sinto que não fiz nada de útil esse tempo inteiro. Acho que gostaria de falar um pouco mais sobre esse processo por aqui, se vocês me permitirem. A questão é que, com toda essa inconstância — que eu não posso prometer que vai melhorar em 2025 —, cogitei suspender o top comentarista... Mas depois de muito pensar, concluí que não poderia fazer isso com minhas fiéis leitoras e essa é a minha única forma de agradecer a vocês por não terem pulado do barco também. Muito obrigada por tudo, amo vocês!

As regrinhas continuam as mesmas, mas não custa relembrar, né? Nos primórdios do blog, era obrigatório comentar em todas as postagens para não ser desclassificado do concurso, mas agora vocês são sorteadas a partir dos comentários. Isso significa que não é obrigatório comentar em todos os posts: cada comentário que vocês fizerem devem ser cadastrados no formulário do Rafflecopter, que só aceita uma entrada por dia — recomendo que vocês comentem e preencham o formulário sempre que sair post novo, já que quanto mais comentários cadastrados, maior a chance de ganhar. Todos os meses um comentário será sorteado pelo aplicativo. Outra coisa, agora que o Twitter ressuscitou, voltei com as entradas referentes à ele no formulário, fiquem atentas!

Atenção: só preencha o formulário nos dias em que comentar no blog. Por exemplo, se em determinado mês tiverem 13 posts, o número máximo de entradas que cada participante pode ter no formulário é 13! Outra coisinha: já tem alguns anos que o Rafflecopter não é mais responsivo, então acho que no computador a visualização fica melhor! Até pensei em fazer o formulário pelo Google, mas o sorteio é mais trabalhoso para mim. Quaisquer dúvidas, podem entrar em contato comigo no Twitter ou Instagram! 💖

O prêmio é um vale de trinta reais na Amazon! Ah, as chances extras continuam: comentar nos posts do Instagram e tweetar sobre o top todos os dias em que tiver postagem nova por aqui, então aproveitem! Caso tenha restado alguma dúvida, podem me procurar nas redes sociais, tá bom?

Observações
- O período de validade desse top comentarista é de 01/01/2025 à 31/01/2025. Cada comentário que vocês fizerem devem ser cadastrados no formulário do Rafflecopter, que só aceita uma entrada por dia.
Não serão computados comentários genéricos, só aqueles que exprimem a opinião do leitor e mostram que ele realmente leu o post. Comentários plagiados de outras plataformas (lembrem-se que plágio é crime) ou que se repetem em outros blogs não serão considerados. Comentários do tipo serão excluídos sem aviso prévio e o participante será automaticamente desclassificado;
- É permitido apenas um comentário por post;
- É obrigatório seguir o Roendo Livros via GFC e seguir o perfil @anadoroendo no Instagram para validar a participação;
- A entrada "tweet about de giveaway" só será válida se a pessoa estiver seguindo o Twitter informado (@anadoroendo);
- Após o término do top, o Roendo Livros tem até 30 dias para divulgar o resultado;
- O ganhador tem 48h para responder o e-mail com os dados de envio, caso contrário o sorteio será refeito. O livro escolhido (na faixa de preço estabelecida) deverá ser informado no corpo do e-mail;
- Após feito o contato, o prêmio será enviado dentro de até 60 dias úteis;
- Para o livro ser enviado, é necessário que o ganhador passe o número do CPF para a Ana, já que agora os Correios solicitam uma declaração de conteúdo (saiba mais aqui) Só participe do sorteio se estiver de acordo;
- O Roendo Livros não se responsabiliza por extravio ou atraso na entrega dos Correios, bem como danos causados no livro. Assim como não se responsabiliza por entrega não efetuada por motivos de endereço incorreto, fornecido pelo próprio ganhador, e ausência de recebedor. O livro não será enviado novamente;
- O Roendo Livros se reserva o direito de dirimir questões não previstas neste regulamento.
- Este concurso é de caráter recreativo/cultural, conforme item II do artigo 3º da Lei 5.768 de 20/12/71 e dispensa autorização do Ministério da Fazenda e da Justiça, não está vinculada à compra e/ou aquisição de produtos e serviços e a participação é gratuita.

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5 de dezembro de 2024

Intermezzo, de Sally Rooney, e tudo que acontece no interlúdio da vida


Intermezzo significa intervalo, interlúdio ou entreato. É uma palavra italiana muito utilizada no teatro e representa o intervalo entre dois atos. O termo também é utilizado no xadrez e pode indicar um movimento inesperado feito entre duas jogadas esperadas. Com base nisso, é possível fazer alguns inferências sobre o novo livro da Sally Rooney: não é um livro sobre grandes acontecimentos, mas um livro sobre o que acontece no meio, entre os atos principais. E isso fica claro quando descobrimos que o livro se inicia logo após a morte do pai dos protagonistas.

Peter e Ivan são irmãos, mas não se dão bem. Peter é um advogado de 32 anos, bem-sucedido, popular e que se encontra numa situação incomum: tem uma ex-mulher com quem mantém uma amizade próxima e uma ficante que é muito mais jovem do que ele. Ivan, por outro lado, é um jovem de 22 anos, prodígio no xadrez, introvertido e, nas palavras de seu irmão mais velho, "meio autista". Em um dos campeonatos de xadrez que participa, Ivan conhece Margaret, uma mulher bem mais velha com quem ele acaba se envolvendo.

O livro é narrado em terceira pessoa, alternando perspectivas diferentes. E, mais uma vez, assim como acontece em Pessoas Normais, Sally Rooney impressiona por seu estilo narrativo. Muitos acham o estilo de escrita de Rooney soberbo e pedante. Eu compreendo, mas discordo. É tão natural a forma como ela narra que eu não consigo acreditar que seja intencionalmente forçado. Sua narrativa me lembra Proust, com seus parágrafos enormes (alguns com mais de 7 páginas) e descritivos, e Virgínia Woolf, com seu fluxo de consciência que radicaliza o monólogo interior.

Sally narra tudo de uma vez, tudo junto, descrições de cena, pensamentos, sentimentos e diálogos. Seus diálogos, principalmente, geram opiniões divergentes. Sem parágrafo, travessão, sem aspas, nada que indique que aquilo seja uma fala de um personagem. E mesmo assim, tão fácil de compreender. Tão intuitivo. Foi o mesmo que eu senti em Pessoas Normais, que ela não precisava sinalizar os diálogos, pois eles se sinalizavam por conta própria.

Dizer que o livro é narrado em terceira pessoa pode causar uma impressão errada. Normalmente, livros narrados em terceira pessoa são mais impessoais e objetivos. Em Intermezzo, essa narrativa em terceira pessoa se mescla aos pensamentos dos personagens, fazendo com que a narrativa, em alguns momentos, seja em primeira pessoa.

Isso acontece principalmente nos capítulos do Peter. A narrativa traduz com maestria o estado emocional do personagem, confuso, perdido e caótico. Mais do que isso, a narrativa parece incorporar diferentes vozes presentes na mente de Peter, com pensamentos que se contradizem e ideias que são em seguida confrontadas. Os capítulos do Ivan são um pouco mais objetivos, ainda que também carreguem carga emocional.


A história se desenrola assim: Ivan e Peter, vivendo suas vidas, tendo poucas interações diretas, mas pensando e falando um do outro com frequência. De certa forma, a autora se utilizou de um recurso que ela já havia usado em Pessoas Normais: a falta de diálogo como base dos conflitos interpessoais. No entanto, eu achei que em Intermezzo isso ficou ainda mais realista, porque além de faltar diálogo, quando ele ocorre ele é atravessado, atropelado e acidentado. Há tanta mágoa, rancor, raiva, vergonha, arrependimento e ainda o luto pela perda do pai que, mesmo quando Peter e Ivan conversam, o que sai de suas bocas é improdutivo e conflituoso. Também é curioso que os irmãos interajam tão pouco ao longo do livro e que, mesmo assim, estejam tão presentes na vida um do outro.

Cada um tem uma opinião sobre o que acha que o outro pensa e a gente, que conhece os dois lados, fica numa ânsia de fazê-los entender que "SEU IRMÃO NÃO PENSA ISSO DE VOCÊ", ansiando pelo momento em que eles irão cair na real. Isso se der tempo de eles caírem na real. O livro todo carrega uma tensão sobre o que vai acontecer. Isso se dá principalmente porque Peter tem muitos pensamentos suicidas, desde o início do livro e a constante ameaça de um suicídio faz o leitor se perguntar quanto tempo ainda existe para que os irmãos se acertem.


Eu sou o tipo de leitora que adora odiar personagens, enquanto a Sally Rooney é o tipo de autora que adora criar personagens detestáveis. Então a gente combina bem. Todos os personagens aqui são fáceis de odiar, ao mesmo tempo que é fácil se identificar com eles. É fácil se identificar com a soberba do Peter e com o egoísmo do Ivan. As mulheres dessa história, por outro lado, são incríveis, mesmo que também tenham defeitos. Sylvia, ex-mulher de Peter, é doce e inteligente. Naomi, sua namorada, é vivaz e selvagem. Mas a minha favorita foi a Margaret, centrada e compreensiva. Nas palavras de Ivan: "ela entende tudo".

Particularmente, eu gostei mais do Ivan. Sua personalidade introspectiva e inocente me conquistou. No entanto, os capítulos do Peter foram os meus preferidos, pois tinham uma carga psicológica maior. Eu confesso que comprei um lado nessa história desde o começo, mas Sally foi capaz de me surpreender ao me provar que, na maioria das vezes, não existe certo ou errado quando estamos falando de relações humanas. Ambos, Peter e Ivan, erraram. Alguns erros foram piores que outros, mas não deixam de ser erros. Eu me emocionei em muitos momentos do livro. As reflexões sobre o sentido da vida (ou a ausência dele) foram muito tocantes pra mim. O final também foi muito comovente e até me arrancou uma lágrima discreta. 

Mas não pensem que o livro é só reflexão e filosofia, pois tem muito mais do que isso, tem romance, inclusive com cenas hot, tem brigas, inclusive com pancadaria, tem muita discussão, ofensa, "vai se f...." e tudo mais. Eu amei amei amei, de verdade. Vou sentir falta dos personagens, que pareceram tão reais. Ao final do livro, a autora incluiu uma lista de citações e referências que ela utilizou em seu texto. Fica evidente que Sally tem uma bagagem grande de leituras e conhecimento. Terminei essa leitura com vontade de ler outro livro da Sally, já que, antes desse, eu só havia lido Pessoas Normais. Estou realmente apaixonada pela escrita da autora.

Por fim, gostaria de enaltecer o trabalho da equipe editorial da Companhia das Letras, especialmente da tradutora, Débora Landsberg. Eu imagino que traduzir um texto com tanto fluxo de consciência não deva ser uma tarefa fácil.

Título Original: Intermezzo ✦ Autora: Sally Rooney
Páginas: 456 ✦ Tradução: Débora Landsberg ✦ Editora: Companhia das Letras
Livro recebido em parceria com a editora