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15 de abril de 2024

A Biblioteca da Meia-Noite, de Matt Haig, mostra que independentemente das nossas decisões, viver é sempre um processo muito difícil

Acho que o primeiro contato que tive com uma história com foco em realidades alternativas foi Efeito Borboleta, filme de 2004 protagonizado por Ashton Kutcher. Nele, Evan, o personagem, consegue viajar no tempo e alterar o passado, trazendo consequências não muito boas para o presente. "Efeito borboleta" é uma expressão muito utilizada na Teoria do Caos para explicar uma das características mais marcantes dos sistemas caóticos, isto é, a sensibilidade das condições iniciais. No caso desse filme, ou do livro A Biblioteca da Meia-Noite, até mesmo as menores decisões, aparentemente insignificantes, têm capacidade de gerar mudanças gigantescas ao longo do tempo

Nora Seed é uma mulher que coleciona arrependimentos. Vive uma vida totalmente sem emoção, o que faz com que ela se questione constantemente como estaria e aonde teria chegado se tivesse tomado algumas decisões diferentes no passado. Após ser demitida, seu gato ser atropelado e ser dispensada pelo vizinho idoso da única tarefa que fazia com seus dias tivessem um pouquinho de sentido, Nora sente que sua existência na Terra não é mais necessária, que ninguém mais precisa dela. E é assim que a personagem vai parar na Biblioteca da Meia-Noite. 

A Biblioteca da Meia-Noite é um lugar onde o tempo não passa. Nora não está morta, mas também não está viva. Mas ao chegar nesse lugar, ela recebe a oportunidade única de viver todas as vidas que poderia ter vivido caso tivesse tomado outras decisões. Cada livro da biblioteca é uma vida diferente: o que teria acontecido se Nora não tivesse terminado um relacionamento de anos? Ou fosse viajar com a melhor amiga, ou tivesse seguido carreira musical, ou tivesse se tornado uma nadadora olímpica, ou, ao invés de Filosofia, tivesse cursado Glaciologia na faculdade? A partir dos seus arrependimentos, Nora tem a oportunidade de consertar seu passado e, quem sabe, achar uma vida que realmente faça sentido a ponto de desejar ficar nela. 

Após finalizar essa leitura, entendo o porquê de ela fazer tanto sucesso. Afinal, todos nós temos vontade de mudar uma decisão ruim que tomamos no passado... Mas, assim como Nora, acho que nunca paramos para refletir sobre as reais consequências dessas alterações. Alguns exemplos práticos: eu estaria casada com meu marido mesmo se eu tivesse aceitado aquela primeira solicitação dele no Facebook, que eu recusei por não saber quem ele era direito? Se eu tivesse contrariado a vontade da minha família e tivesse feito Letras na faculdade ao invés de Geologia, eu já estaria terminando o meu doutorado agora, ou sequer estaria fazendo doutorado? A questão é justamente essa: nós nunca saberemos! 

Percebe-se por esse texto que A Biblioteca da Meia-Noite é um livro extremamente melancólico, cheio de gatilhos, do início ao fim. As primeiras tentativas de Nora de encontrar a vida perfeita, por exemplo, são extremamente dolorosas, até um pouco difíceis de digerir. Mas, assim como Nora, queremos saber os rumos que ela poderia ter tomado na vida. E é aqui que admito uma das maiores vitórias de Matt Haig com esse livro: é fácil demais se perder em uma narrativa com multiversos, uma vez que essas muitas vidas podem não agregar muita coisa na história como um todo, e não é isso o que acontece aqui. Cada universo alternativo de Nora causam algum impacto na personagem, na sua versão "definitiva". 

Os capítulos curtos ajudam muito na fluidez da narrativa, mas não deixa de ser um livro muito difícil. À medida que avançamos na leitura, temos a percepção de que a vida perfeita não existe. Coisas boas e ruins vão existir na mesma proporção, não importa a decisão que a gente tome. Acredito que essa é a grande reflexão desse livro, e é por isso que vejo tanta gente dizendo que ele flerta um pouco com o gênero autoajuda: viver não é fácil e, diferentemente de Nora Seed, não temos o privilégio de escolher entre milhares de possibilidades, não temos como voltar atrás. Nos resta, no fim, aproveitarmos as partes boas e aprendermos a lidar com as ruins.

Título Original: The Midnight Library ✦ Autor: Matt Haig 
Tradução: Adriana Fidalgo ✦ Páginas: 320 ✦ Editora: TAG Experiências Literárias & Bertrand Brasil

11 de setembro de 2023

Por que Somos Todos Adultos Aqui, de Emma Straub, não funcionou para mim?


Quem nunca pegou um livro de drama familiar, com uma sinopse bem atrativa, que tinha tudo para dar certo, e se deparou com uma história bem morna e nada marcante? Foi isso o que aconteceu comigo ao ler Somos Todos Adultos Aqui. O texto abaixo pode conter spoilers, uma vez que vou precisar contar alguns detalhes da narrativa para expor o meu ponto. 

Astrid Strick é uma senhora de 68 anos que vive em Clapham, uma cidade do interior onde todo mundo se conhece e é impossível segurar qualquer fofoca. É uma vida pacata, no fim das contas, já que seus filhos estão criados e ela não deve satisfação nenhuma a mais ninguém. Astrid só sente que deve mudar o rumo da sua vida após presenciar um acidente fatal, envolvendo uma conhecida. É só nesse momento que ela percebe, que, na realidade, sua vida é um verdadeiro caos. Por exemplo, ela nunca foi uma mãe amorosa, então não tem uma conexão real com nenhum dos filhos. Tanto que eles nem sabem que ela se apaixonou de novo, dessa vez por uma mulher! E ela também não sabe inúmeras coisas sobre eles.

E é basicamente esse o enredo de Somos Todos Adultos Aqui: uma mulher tentando mudar sua relação com os filhos depois de muitos anos, após perceber que pode morrer a qualquer momento. Claro que, para isso, aprendemos um pouco mais sobre cada um dos membros: Elliot é o filho mais velho, casado e com dois filhos pequenos, sempre se sentiu negligenciado pela mãe; Porter é a filha do meio, bem simplista, e depois de muitas decepções amorosas resolve ser mãe solo; Nicky é o caçula, vive em Nova York com a esposa e a filha e desistiu de uma promissora carreira de ator. São personagens simples, vivendo suas vidas igualmente simples.

A minha grande questão com esse livro é que nada acontece. Não existe nada arrebatador, nenhuma reviravolta, nada que faça com que seja uma leitura incrível. E acredito que esse seria o menor dos problemas, até porque nem tudo precisa de reviravolta, se os personagens não tivessem a profundidade de um pires. Os dramas individuais são muito comuns e até apáticos, diga-se de passagem. Não me afeiçoei a nenhum deles, com exceção, talvez, de Cecelia, filha de Nicky e neta de Astrid. O enredo envolvendo ela e uma amiga, uma personagem trans, foi a única coisa que me manteve presa a leitura e ainda assim não foi muito bem desenvolvida, ao meu ver. 

A realidade é que, como são pontos de vista de vários personagens, faltou desenvolver melhor cada um deles. Acho que até a questão principal desse livro, que são as relações familiares, não foi muito aprofundada. Acredito que o intuito de Somos Todos Adultos Aqui é mostrar um pedaço da vida de uma família, que pode ser como qualquer família que existe. Mas senti falta da resolução dos conflitos no final, ainda que não fossem muito complexos. As páginas passam de forma muito lenta e não levam a lugar nenhum, entendem?

Até agora não entendo o propósito real dessa história, não entendo aonde Emma Straub queria chegar. Por exemplo, Elliot é um babaca com a esposa e negligente com os filhos o livro inteiro e não deu indícios de mudança no final... Sem contar que é extramemente homofóbico, uma vez que não aceita o novo relacionamento da mãe. A Porter é uma mulher, grávida, a poucos meses de se tornar responsável por uma nova vida, mas totalmente inconsquente... O Nicky me parece o mais estável, ao mesmo tempo que não abandonou a juventude por completo. Eu sei lá, sabem? Será que são realmente todos adultos nesse livro? Será que o propósito desse título é ser irônico? O que é ser adulto, no fim das contas?

Eu não posso nem dizer que achei o livro ruim, porque simplesmente não senti nada lendo. Porque quando consideramos um livro ruim, sentimos pelo menos raiva ou certa indignação durante a leitura, mas eu realmente não senti NADA com Somos Todos Adultos Aqui, nada bom, nada ruim. É simplesmente uma história que, daqui um mês, vou ter apagado da minha mente por não ter um pingo de relevância, para o bem ou para o mal. Agora, para quem simplesmente gosta de acompanhar recortes do dia a dia de uma família, sem se importar exatamente com o rumo da história ou com a resolução de conflitos, a experiência pode ser completamente diferente. É pagar para ver!

Título Original: All Adults Here ✦ Autora: Emma Straub
Tradução: Camila von Holdefer ✦ Páginas: 350 ✦ Editora: TAG Experiências Literárias & HarperCollins

3 de março de 2023

Gostaria Que Você Estivesse Aqui, de Fernando Scheller, um retrato do Rio de Janeiro dos anos 80


Gostaria Que Você Estivesse Aqui é a primeira obra nacional enviada pela TAG Inéditos, em maio de 2021. Escrito pelo jornalista Fernando Scheller, o livro tem como ponto central a vida de cinco personagens que vivem no Rio de Janeiro durante a década de 80: Baby, Inácio, César, Selma e Rosalvo. Mesmo que indiretamente, a vida desses protagonistas acaba interligada por um ponto em comum, que é a Cidade Maravilhosa.

Os anos oitenta foram muito movimentados no Brasil, marcados principalmente pela instabilidade política. Com o fim da ditadura, o Rio de Janeiro foi palco de enormes acontecimentos históricos relevantes, como o movimento Diretas Já, que teve como objetivo a retomada das eleições diretas ao cargo de presidente da República. Outros marcos dessa década foram a aprovação da Constituição Federal de 1988 e finalmente as primeiras eleições diretas em 1989, resultado de muita luta popular. Além disso, o mundo inteiro passava por uma revolução musical, o que influenciou diretamente no cenário da música brasileira: o rock nacional começou a ganhar mais força. 

No meio de tantos marcos culturais, políticos e sociais, nosso país também foi alvo de uma das maiores epidemias mundiais, a da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida ou AIDS, doença causada pelo vírus HIV. Naquela época, era uma doença totalmente desconhecida, e ninguém poderia imaginar que infectaria mais de 75 milhões de pessoas e mataria cerca de 35 milhões. 

É nesse contexto que acompanhamos nossos protagonistas. Inácio e Baby são dois jovens com muitas expectativas para o futuro. Tudo o que Inácio quer é construir uma vida com a garota que, por sua vez, tem um forte desejo de buscar um sentido para a própria vida, algo diferente daquilo que esperam dela; nessa bagunça sentimental, Inácio conhece César, com quem constrói uma amizade muito forte. César está se descobrindo sexualmente, assunto que acabou sendo o estopim para o fim do casamento dos seus pais. Selma, portanto, além de ter que lidar com o divórcio, é obrigada a enfrentar o terrível diagnóstico que seu filho recebe. Rosalvo, por outro lado, é porteiro do prédio onde moram Selma e César, e está no Rio unicamente em busca de vingança por sua filha, uma mulher trans que foi assassinada por ser quem é.

Confesso para vocês que não esperava amar Gostaria Que Você Estivesse Aqui, mas foi o que aconteceu. É um livro muito bonito, mas igualmente triste e melancólico. A gente começa a leitura já sabendo mais ou menos o que vai acontecer, principalmente no arco do César, e por mais que não haja nenhuma reviravolta mirabolante, existe uma expectativa para o desfecho de cada um dos personagens. Além da história do César, que foi de longe minha favorita, gostei imensamente das partes sob o ponto de vista do Rosalvo. Para mim, esses dois personagens resumem o tema central do livro: a passagem do tempo, que é inevitável, e o que fazemos com ele. 

Uma coisa muitíssimo interessante sobre essa obra é que por mais que tenha sido construída sob o prisma de cinco pessoas, o real protagonista é o cenário. Apesar dos segmentos individuais, cada um com suas preocupações e desafios, todos foram influenciados por esses acontecimentos históricos que afetaram o Rio de Janeiro nos anos 80. Porém, não nego que, de certa maneira, o César é a peça central dessa trama, o elo que une todos os outros personagens. De uma forma ou de outra a história sempre volta para ele. 

É justamente sob essa perspectiva que consigo, apesar de ter amado demais essa narrativa, aceitar que a história de Rosalvo ficou muito deslocada no contexto do livro, uma vez que a única relação dele com o restante dos personagens é o fato dele trabalhar no prédio onde Selma e César moram, e existem pouquíssimas interações diretas entre eles. Dessa forma, por mais que eu ansiasse descobrir se o senhorzinho conseguiria cumprir sua missão, senti que as passagens dele quebraram um pouco o arco de César. Como eu disse anteriormente, por mais que acompanhássemos outros personagens e um pouco dos seus dilemas, o ponto central sempre foi o César. 

Da mesma forma, acredito que a Baby foi uma personagem muito mal aproveitada. Além de ter poucas passagens, ficou aquele sentimento de que ela foi apenas uma pessoa marcante na vida de Inácio, sabem? Uma garota que foi viver a vida dela, que nunca foi esquecida, mas que tampouco foi importante o suficiente. Isso porque, ao meu ver, a aventura a qual Baby buscava não foi desenvolvida da forma como merecia. Sim, ela tinha um desejo de ser diferente, mas o que ela poderia fazer para mudar seu destino de fato? No fim das contas, fiquei até me perguntando se Scheller só queria mesmo que a pesonagem se afastasse para provar que, por mais distantes que algumas pessoas estejam, elas sempre terão um lugar no nosso coração, sabem?

Também esperava ver mais dos acontecimentos históricos em si, principalmente os políticos, mas ao longo de toda narrativa eles não foram muito aprofundados. Fico pensando se isso foi proposital, uma vez que a maior parte dos personagens são pessoas da classe média/classe média alta e talvez isso influenciasse na visão que elas tinham sobre o que estava acontecendo no país. Nesse sentido também, senti bastante falta da representação da revolução musical: sim, existem referências musicais, mas nenhuma nacional de fato. 

É engraçado falar sobre esses pontos negativos, porque Gostaria Que Você Estivesse Aqui me conquistou de verdade, e isso se deu unicamente por causa do César. Fiquei tão envolvida com ele, com a história dele, que muito do que eu citei anteriormente parecereu insignificante quando finalizei a leitura. Foi muitíssimo interessante acompanhar como a AIDS chegou ao Brasil, o pânico que causava, como era vista como uma doença que afetava unicamente homens gays, todos os avanços a partir do momento em que a forma de transmissão foi descoberta... De pensar que, hoje, uma pessoa pode conviver com vírus HIV sem adquirir a doença a partir do tratamento com medicamentos antirretrovirais disponibilizados pelo SUS, né? 

De moro geral, acredito que é um livro que cumpre bem com seu propósito. Me emocionei em vários momentos, sofri antecipadamente com Selma e Inácio, torci por Rosalvo encontrar sua redenção, entendi as escolhas de Baby... Agora só me resta esperar a Globo comprar os direitos dessa história para fazer uma minissérie, tenho certeza que seria de total sucesso! 

Título Original: Gostaria Que Você Estivesse Aqui ✦ Autor: Fernando Scheller
Páginas: 320 ✦ Editora: TAG Experiências Literárias & HarperCollins

20 de julho de 2021

A Garota Que Não Se Calou | Abi Daré

Adunni é uma garota de 14 anos que possui apenas um sonho: estudar. Mas a realidade é completamente diferente na aldeia onde mora: mesmo com a pouca idade, foi vendida pelo pai para ser a terceira esposa de um homem bem mais velho cujo principal desejo era ter um filho homem. Longe dos irmãos e do pai, Adunni não vê outra alternativa se não a de se adaptar. E ela consegue, até o momento em que se envolve numa situação extremamente perigosa que a obriga a fugir e a romper seus laços com a cidade em que cresceu. 

Nesse meio tempo, Adunni é levada para trabalhar como empregada doméstica em Lagos, a maior cidade da Nigéria. Em um primeiro momento, o emprego supostamente lhe daria inúmeras oportunidades e, principalmente, dinheiro para seguir sua vida. Porém, não demorou muito tempo para a protagonista perceber que foi enganada, que ela era, na verdade, uma escrava. E mesmo sofrendo sempre em situações inimagináveis, Adunni não perdeu a esperança, não desistiu de estudar, de ser ouvida. Afinal, "amanhã será melhor que hoje".

Fiquei encantada com a escrita de Abi Daré, que conseguiu transmitir exatamente a essência da personagem. É narrado em primeira pessoa, sob o ponto de vista da personagem, uma jovem que teve pouco contato com o estudo. Sendo assim, seus pensamentos, sentimentos, tudo, são transmitidos exatamente da forma como ela fala. Por exemplo: "Tamém tem um ventilador de pé, falta duas pá do ventilador, por isso tá sempre soprano ar que deixa a sala toda quente. O papai gosta de ficar sentado na frente do ventilador de noite, com os pé cruzado e bebeno da garrafa, que virou sua esposa desde que a mamãe morreu" (p. 10).

Acredito que esse estilo de narrativa pode causar um certo estranhamento em alguns leitores, e confesso que eu mesma me senti um pouco incomodada no início. Mas ao enxergar a realidade de Adunni, pude entender completamente o artifício utilizado pela autora. E é genial, principalmente porque a cada página de um livro que Adunni conseguia ler, cada nova palavra descoberta, cada pequeno minuto que ela conseguia se esconder para estudar, era perceptível a melhora em seu vocabulário. Ao final do livro, a personagem já conversava muito mais corretamente, mostrando a importância do conhecimento.

Além disso, é claro, temos muito contato com a cultura nigeriana, que é muito vasta. Existem vários grupos étnicos diferentes, são faladas diversas línguas. Existem muitas coisas boas, mas é claro que nós enxergamos muitos de seus costumes com maus olhos. Por exemplo, na aldeia de Adunni, meninas de 14 ou 15 anos já estavam prontas para casar. O machismo não está presente apenas nesse ponto na história criada por Daré, é claro. Não importa qual a classe social, uma mulher nunca terá os mesmos direitos que os homens, ainda que seja bem sucedida. Mas convenhamos que isso não é exclusividade dos países africanos, não é mesmo?

A Garota Que Não Se Calou não é uma leitura fácil, no fim das contas. Por mais que a escrita seja singela e simples, os acontecimentos que permeiam a vida de Adunni são brutais, em sua maioria. Ainda assim, é interessante como a autora sempre faz questão de deixar um sopro de esperança em meio ao caos, e por isso traz uma moral bonita. Não sou fã desse lance de "histórias de superação" porque escancaram a desigualdade em que vivemos, mas como não se apaixonar por uma menina humilde que superou todas as expectativas? Que mostrou que sim, a educação tem valor, mais valor que qualquer dinheiro no mundo?

Os questionamentos de Adunni me deixaram cheia de reflexões, o seu olhar sob as coisas me inspirou muito, me encheu de fé. Depois de ter contato com uma personagem tão inabalável, tenho total certeza que sim, amanhã será melhor que hoje.

Título Original: The girl with the louding voice ✦ Autora: Abi Daré
Tradução: Nina Rizzi ✦ Páginas: 352 ✦ Editora: TAG Experiências Literárias & Verus

18 de abril de 2021

Eu Não Sei Quem Você É | Penny Hancock

Eu Não Sei Quem Você É, da autora Penny Hancock, foi enviado em março aos assinantes da TAG Inéditos. É um livro que aborda temas muito sensíveis, principalmente abuso sexual de menores, o que pode gerar gatilhos em inúmeras pessoas. Dito isto, vamos à trama. Holly e Jules são melhores amigas desde a época da faculdade. Cada uma delas tem um filho: Holly é mãe de Saul, de 16 anos, e Jules é mãe de Saffie, 13 anos. Justamente terem uma ligação muito forte, uma é madrinha do filho da outra, um posto muitíssimo importante porque isso significa confiar a vida do filho a outra pessoa, né?

Porém, a vida delas vira de cabeça para baixo quando Saffie acusa Saul de tê-la estuprado. É a partir desse ponto que a trama começa a se desenrolar de verdade, principalmente porque Holly não acredita na acusação mesmo sendo uma professora universitária que está a frente de um movimento sobre violência contra as mulheres. Isso significa que ela é do tipo que acredita nas palavras da vítima logo de cara... Até, obviamente, o abusador ser o seu filho. 

A narrativa usada por Penny Hancock é bem interessante e é um artifício que funciona, porque alterna o ponto de vista entre as duas personagens principais. Sendo assim, sabemos exatamente o que elas estão sentindo em relação ao problema. Com o passar das páginas, bem aos poucos, vamos descobrindo o que aconteceu entre Saul e Saffie. Uma coisa no desenvolvimento do enredo que me deixou muito desconfortável foi o fato da autora sempre deixar dúvidas sobre quem está falando a verdade. A todo momento ela fazia questão de colocar a palavra de Saffie em prova, seja a partir de uma reação, o modo como ela falava... E porque isso me deixou tão incomodada? Porque em determinado momento da história eu simplesmente acreditei que Saffie estava mentindo e que Saul era inocente. E eu me senti mal, porque, como duvidar da palavra de uma mulher sendo eu mesma uma mulher?

Estaria mentindo se dissesse que, pelo menos em partes, a autora não conseguiu conduzir sua obra. É verdade que a escrita é muito fluida — apesar de ter me irritado bastante com a tradução, que usava "contigo" ao invés de "com você", o que não é muito usual na nossa língua rs — e que queremos solucionar o mistério tanto quanto as personagens... Mas infelizmente achei que Hancock perdeu a mão mais ou menos a partir da metade do livro. Porque pensem comigo... Se Saffie estivesse mentindo, apagaria a voz de milhares de mulheres que foram abusadas sexualmente e desacreditadas, e tudo, tudo na narrativa indicava que a menina estava mentindo. 

E é aí que entra o plot twist, a pior escolha possível para a solução do problema envolvendo Jules, Holly, Saffie e Saul. Obviamente não vou dizer o que é, mas em poucas páginas a autora conseguiu ir contra TUDO o que estava pregando, ou pelo menos contra o que eu achava que ela estava pregando, fica difícil assimilar. O final proposto por Hancock de nada ajuda mulheres reais que terão contato com essa história. Para além disso, achei as próprias protagonistas muito forçadas. Por exemplo, Jules é incapaz de tomar uma decisão sequer sozinha e, para isso, procura ajuda até mesmo de Holly, que, por sua vez, acha que é a única pessoa no mundo que sofre. Tem que ter bastante paciência, viu?

Infelizmente a narrativa fluida não conseguiu apagar o ódio que senti pelo rumo que as coisas tomaram. A autora poderia ter tomado inúmeras decisões que não ofendessem mulheres que já foram vítimas de abuso sexual e mulheres que estão presas em relacionamentos abusivos. Não é um livro que acho necessário, muito pelo contrário, visto que pode trazer visões errôneas sobre assuntos tão sérios e tristes. Para mim, é um livro que errou em diversos pontos, ainda que a proposta fosse acertar e conscientizar.

Título Original: I Thought I Knew You ✦ Autora: Penny Hancock
Tradução: Davi Boaventura ✦ Páginas: 416 ✦ Editora: TAG Experiências Literárias & Dublinense

3 de março de 2021

Longo e Claro Rio | Liz Moore

Longo e Claro Rio é o livro de fevereiro da TAG Inéditos, além de compor a lista de favoritos de 2020 do Barack Obama. Apesar dessa segunda informação ser um baita incentivo, a trama de Liz Moore fala por si. A história acompanha Mickey uma policial cujas rondas se concentram em Kensington, região periférica da Filadélfia extremamente atingida pela crise dos opioides. É nesse mesmo lugar que vive sua irmã Kacey, dependente da heroína. 

As duas mulheres eram muito próximas até a adolescência, quando cada uma seguiu seu caminho. Ainda que o destino tenha sido cruel com ambas, elas são irmãs. Sendo assim, Mickey fica alerta quando se dá conta que não vê Kacey pelas esquinas do bairro há mais de um mês. A situação só piora a partir do momento que corpos de prostitutas viciadas começam a ser encontrados, indicando a ação de um serial killer.

Eu gosto muito de suspenses policiais, apesar de não lê-los com a frequência que gostaria. Então, quando comecei a ler e as peças foram jogadas no tabuleiro, fiquei muito animada, afinal, é natural de qualquer leitor querer encontrar as respostas logo. Porém, Moore vai nos dando pistas em doses homeopáticas, através de detalhes tão singelos que às vezes passam despercebidos. E, na minha opinião, é isso que classifica um bom livro do gênero.

Além disso, a autora foca bastante no drama familiar que envolve as irmãs, e isso é feito especificamente quando ela nos mostra trechos do passado da vida delas. Sendo assim, Longo e Claro Rio se desenvolve em dois períodos temporais, o antes e o agora, ambos sob o ponto de vista da protagonista, Mickey. Eu gostei muito que as duas perspectivas são bons e totalmente necessários para a construção da trama; estão inevitavelmente interligados, então não dá aquela vontade que às vezes sentimos de saltar uma parte porque ela não se equipara a outra. 

O pano de fundo também é muito importante, afinal, estamos falando de uma região periférica lotada de problemas sociais, aparentemente esquecida. Gostei muito de acompanhar os cenários, de entender um pouco mais sobre como as pessoas afetadas sobrevivem. Aliado a isso, foi interessante ver como a corrupção policial funciona até mesmo em atmosferas que a gente nem imagina.

Os personagens são muito reais, humanos. Não falo só de Mickey e Kacey, mas a maioria das pessoas que cruzam o caminho das duas. Engraçado que esse livro deixa muito claro aquela premissa de ninguém ser totalmente bom ou totalmente ruim — salvo algumas exceções, é claro. Por exemplo, não necessariamente Mickey é a irmã boa e Kacey a irmã ruim, desvirtuada. Moore foi muito inteligente em mostrar várias facetas de cada personalidade, além das situações que as levaram a seguir tais caminhos.

Para ser sincera com vocês, a única coisa que me incomodou nesse trabalho como um todo foi o tamanho da fonte e o espaçamento das margens. Gente, a letra é tão minúscula que dá impressão de verdade que escolheram a menor possível para poderem economizar papel, sério. Uma pessoa como eu, que tem hipermetropia, encontrará muitas dificuldades para dar andamento na história. O que é uma pena, porque mesmo com essa letrica, a narrativa é muito fluida.

Dentre os inúmeros pontos positivos de Longo e Claro Rio, está uma reviravolta que acontece lá pelas bandas do meio para o final, e eu não estou falando sobre a identidade do assassino, que só é revelada quase no fim do livro e talvez não pegue todos os leitores de surpresa. O que é obviamente não vou falar, mas fica aí o gostinho para quem já estava curioso com a leitura.

Título Original: Long Bright River ✦ Autora: Liz Moore
Tradução: Fernanda Abreu ✦ Páginas: 352 ✦ Editora: TAG Experiências Literárias & Trama

8 de fevereiro de 2021

Frida Kahlo e a Cores da Vida | Caroline Bernard

Não sou a maior conhecedora de Frida Kahlo, mas sempre tive uma curiosidade para saber um pouco mais sobre sua trajetória, principalmente por ser um símbolo do movimento feminista. Frida Kahlo e a Cores da Vida é uma obra de ficção criada por Caroline Bernard a partir de acontecimentos reais da vida da artista, então achei que seria uma boa forma de começar meu contato com ela. 

A obra faz um panorama geral da vida de Frida Kahlo, passando por acontecimentos importantes que marcaram sua trajetória, como o grave acidente sofrido aos 13 anos que lhe rendeu sequelas severas até o dia de sua morte, aos 47. De forma geral, gostei de como Bernard criou uma trama fictícia inserindo personalidades reais. Não só Frida é destacada, é claro, mas todos que conviviam com ela: o marido Diego Rivera, também pintor, familiares, amigos próximos... Todos que representaram um papel importante para Frida foram retratados. 

Porém, muitas coisas na construção da obra me deixaram deveras decepcionada. Em primeiro lugar, muitas vezes achei a narrativa um tanto superficial, como se o narrador enxergasse Frida como uma eterna adolescente, dando um tom até infantil para a escrita. Além disso, senti que o legado mais importante da vida da artista, a pintura, foi jogado para escanteio, principalmente quando Diego Rivera invade a trama.

Eu detestei Diego como personagem, mas pesquisando um pouco mais sobre ele, imagino que o detestaria também como pessoa real. É o típico esquerdomacho, super prega a famosa justiça social, mas se revela um grande babaca sexista — e, nesse caso, não consigo diferenciar a realidade da ficção. A questão é que Diego Rivera engole Frida Kahlo de todas as formas possíveis. Na narrativa criada por Bernard, inclusive, Frida é várias vezes retratada como a esposa-submissa-e-dona-de-casa-perfeita.

Não é difícil achar fatos controversos e polêmicos sobre o seu relacionamento com Rivera ao pesquisar na internet: é fato que Frida era traída pelo marido e que houve uma traição dura demais para ela aceitar; não é mentira que eles passaram por um divórcio escandaloso e depois voltaram a se relacionar... O motivo de ela aceitar as traições de Rivera nunca vamos saber, mas quem somos nós para julgar? Gosto de pensar que se Frida fosse viva hoje, muita coisa teria acontecido de forma diferente. Ainda que insistisse nesse relacionamento tóxico, não consigo enxergar a enorme Frida Kahlo, livre e excêntrica, como simplesmente uma mulher submissa que vivia para cozinhar o almoço do marido. Portanto, acredito que a autora pecou demais nesse sentido.

Ah, não estou criticando de forma alguma as mulheres que escolheram dedicar suas vidas ao casamento, até porque cada mulher deve ser livre para fazer o que quiser e tomar suas próprias decisões. A questão é que a personalidade de Frida Kahlo não se encaixa a esse cenário, visto que ela nunca demonstrou se importar com os padrões estéticos e as convenções sociais impostos às mulheres. Suas pinturas demonstram, inclusive, que ela sempre gostou de se impor e lutava contra o patriarcado.

Por falar em pinturas, outro ponto positivo de Frida Kahlo e a Cores da Vida é que toda vez que um quadro era citado, eu corria para procurá-lo na internet e saber um pouco mais sobre ele. Eu nunca tinha parado para apreciar as obras de Frida Kahlo, mas depois de saber as histórias por trás delas, ou seja, quando elas começaram a fazer sentido para mim, não pude deixar de me impressionar. Gosto particularmente de Hospital Henry Ford (1932) e Umas Facadinhas de Nada (1935). Adoro o fato que Frida Kahlo era sua própria musa inspiradora, e que ela pintava para extravasar seus próprios sentimentos! Vocês podem ver mais de suas pinturas no Google Arts & Culture.

Hospital Henry Ford (1932) e Umas Facadinhas de Nada (1935), respectivamente.

Ler Frida Kahlo e a Cores da Vida me deixou ainda mais curiosa para saber mais sobre a artista e suas criações, então acredito de verdade que a trama de Caroline Bernard tenha sido uma ótima introdução, mas muito provavelmente procurarei alguma biografia para ler mais pra frente. Agora eu consigo entender tudo o que a artista representa e o porquê dela fazer tanto sucesso até hoje — o que não justifica o fato de a imagem dela ser extremamente comercializada, mas isso é assunto para uma outra conversa, rs.

Título Original: Frida Kahlo und die Farben des Lebens  ✦ Autora: Caroline Bernard
Tradução: Claudia Abeling ✦ Páginas: 304 ✦ Editora: TAG Experiências Literárias & Tordesilhas

24 de agosto de 2020

Nascido do Crime | Trevor Noah


Quando soube que o livro de janeiro da TAG Inéditos seria a autobiografia de um comediante, fiquei muito feliz e ansiosa. Mal podia esperar pela caixinha e pela história divertida que ela traria. Afinal, eu já li autobiografias de comediantes antes e me apaixonei. Não digo que estava completamente errada, de fato Trevor traz um tom de humor à sua história. Mas Nascido do Crime é muito mais que uma historinha engraçada sobre a vida de um comediante, pois mesmo quando o autor nos faz rir, nos questionamos se rir é realmente o que deveríamos estar fazendo.

Se eu tivesse me dado ao trabalho de ler a sinopse com mais atenção antes de tirar  minhas conclusões, talvez eu não tivesse pensado que daria gargalhadas do início ao fim. Trevor Noah nasceu na África do Sul, quando ainda existia o apartheid. Ele é filho de mãe negra e pai branco, por isso, para a época, "nascido do crime". Em sua autobiografia, ele nos conta um pouco de como foi nascer em um período ainda conturbado na África do Sul, como ele nunca se sentia parte de nenhum grupo mas, ao mesmo tempo, aprendeu a usar isso a seu favor.

Eu me tornei um camaleão. Minha cor era sempre a mesma, mas eu conseguia mudar a percepção dos outros sobre quem eu era. Se alguém falasse comigo em zulu, eu respondia em zulu. Se alguém falasse comigo em tswana, eu respondia em tswana. Talvez eu não me parecesse com você, mas, se eu falasse como você, éramos iguais.

A narrativa é dividida em três partes, que apesar de não terem títulos e acabarem indo ou voltando no tempo em algum momento, retratam sua infância, adolescência e um pouco da sua vida após o Ensino Médio. Apesar de Trevor ser obviamente o foco do livro, sua mãe foi uma pessoa que me impressionou bastante. Existe um capítulo em que o autor nos conta um pouco da história dela e percebemos claramente que ela era uma mulher a frente do seu tempo.

A relação entre os dois também é impressionante. Trevor diz que desde criança ela sempre o tratou de igual para igual, enquanto outras mães mal conversavam com seus filhos, pois não era assim que as coisas funcionavam. Uma coisa que me fez rir bastante sobre os dois foi um momento em que eles discutiam através de cartas, isso mesmo, cartas. Cada um tinha que escrever uma carta argumentando porque o outro estava errado e as respostas só eram aceitas se fossem escritas também.

— Por que isso tudo? Por que mostrar ao Trevor o mundo se ele nunca vai sair do gueto?
— Porque — respondia ela -, mesmo que ele nunca saia do gueto, ele vai saber que o gueto não é o mundo. Se eu conseguir pelo menos isso, já terei feito o suficiente.

Ao contar sua história, Trevor acaba esbarrando em vários assuntos que ainda hoje são problemáticos e geram discussões. Obviamente discute-se muito o racismo, mas também nos deparamos com problemas relacionados à religião e violência doméstica. Na maior parte do tempo Noah retrata tudo com bom humor e muitas vezes me peguei rindo quando na verdade eu deveria estar chorando.

Já foi anunciado que a obra será adaptada para as telinhas e mal posso esperar para ver como isso será feito! Além disso, em entrevista à TAG, Trevor disse que pretende escrever outro livro (mas sem pressa), então já estou ansiosa esperando pelos próximos capítulos dessa história.

Quando eu recebi esse livro, definitivamente não estava esperando a história que eu li. Nascido do Crime superou expectativas que eu nem sabia que tinha criado e com certeza está na minha lista de livros favoritos da vida.

Título Original: Born a Crime ✦ Autor: Trevor Noah ✦ Páginas: 336 
Tradução: Fernanda de Castro Daniel ✦ Editora: Verus & TAG Experiências Literárias
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14 de julho de 2020

Fique Comigo | Ayòbámi Adébáyò


Recebi Fique Comigo, da autora nigeriana Ayòbámi Adébáyò, na edição da TAG Experiências Literárias, que é bem bonita, por sinal. Aqui, somos apresentados ao casal Yejide e Akin. O mais curioso é que já nas primeiras páginas sabemos que eles não estão mais juntos, o que deixa o leitor intrigado logo de cara: obviamente queremos saber o que deu errado na vida deles. A história mescla passado e presente, sob o ponto de vista dos dois personagens principais, costurando uma rede de acontecimentos que culminaram para o colapso do casamento. Antes de começar a falar de fato sobre o livro, gostaria de dizer que provavelmente essa resenha conterá vários spoilers, mas vários mesmo; se você deseja ler essa obra futuramente, não leia esse texto.

É muito difícil falar sobre Fique Comigo sem citar certos acontecimentos da trama para explicar o que acontece. De início vocês precisam saber que Yejide e Akin são casados há quatro anos e seriam muito felizes não fosse a falta de filhos. Não sei se vocês sabem, mas na Nigéria há uma crença muito forte de que um casamento não é completo sem filhos (não só na Nigéria, é claro, até aqui no Brasil muitas pessoas acreditam que uma vida a dois não é completa sem filhos). A cobrança vem de todos os lados, principalmente pela mãe de Akin, afinal, ele é o primogênito da família e ainda não conseguiu dar continuidade à sua linhagem. O fato de seu irmão mais novo já ter vários filhos piora muito a situação. A cobrança em cima de Yejide é diferente e ainda maior, já que uma mulher só é completa se for mãe:

— Você já viu Deus em uma sala de parto parindo um bebê? Diga-me, Yejide, já viu Deus na maternidade? As mulheres fabricam crianças, e se você não consegue fazer isso então não passa de um homem. Ninguém devia chamá-la de mulher.

De início, não sabemos exatamente o porquê de Yejide não conseguir engravidar, mas acompanhamos o seu sofrimento, a culpa que ela mesma sente, a culpa que depositam nela, e sofremos junto. As coisas pioram drasticamente quando insistem para que Akin adote um casamento poligâmico e se relacione com uma segunda mulher, que viria ser a sua segunda esposa. E, de fato, ele cede a pressão e se casa com Funmi, escolhida unicamente para parir o primogênito de Akin. Eis um dos primeiros tapas na cara que levamos: se um casal não consegue ter filhos, obviamente o problema é, e só pode ser, a mulher. É claro que se outra mulher fosse introduzida na história, o problema seria resolvido. Ninguém se importa com os sentimentos de Yejide ou se ela realmente quer se tornar mãe. 

E, de fato, o maior desejo de Yejide é ser mãe. Não consegui identificar exatamente se essa vontade parte realmente dela ou se é um reflexo da cobrança da família e da sociedade, mas ela deseja tanto ser mãe que passa por um período conturbado de gravidez psicológica — se ela ficasse grávida primeiro, Akin poderia se livrar de Funmi. É importante ressaltar que Yejide não concorda com a poligamia, algo que ela deixou claro desde o início de seu relacionamento. No meio desse contexto da falsa gravidez e da traição do marido, várias coisas obscuras acontecem e nossa protagonista realmente fica grávida enquanto Funmi permanece "vazia"

Apesar de ser uma notícia que traz alegria, se engana quem acha que o sofrimento de Yejide acaba por aí. Agora, mais do que nunca, o papel da protagonista é ser uma mãe perfeita, aquela que vive em função dos filhos e não deixa nada de mal acontecer com eles. Já sentia que Fique Comigo seria um dos livros mais triste que li na vida, mas eu não estava preparada verdadeiramente para o que aconteceu em seguida: a bebezinha morre antes de completar seis meses de vida, e não existe uma resposta para essa partida repentina. A pista surge pouco tempo depois, quando Yejide perde seu segundo filho para uma doença hereditária chamada anemia falciforme.

Uma mãe deve estar vigilante. [...] Uma mãe não pode ter a visão embaçada. Deve notar se o lamento de seu bebê é muito alto ou muito baixo. Deve saber se a temperatura da criança aumentou ou caiu. Uma mãe não pode deixar passar nenhum sinal. Ainda tenho certeza de que deixei passar sinais importantes. 

Além de estar sofrendo muito em seu casamento, Yejide ainda tem que lidar com a culpa de perder os filhos tão precocemente. No meio disso tudo, a mãe de Akin passa a acreditar que a nora foi destinada a ter filhos abiku, crianças que, no mundo espiritual, escolhem ter uma passagem curta pela Terra. Aos poucos vamos desvendando os mistérios por trás da doença e detalhes das circunstâncias que levaram Yejide a engravidar. Eu fiquei particularmente chocada, principalmente porque é nítido que Akin escolheu deixar a mulher sofrer sozinha!

Não acho que Fique Comigo seja um livro exclusivamente sobre maternidade ou o papel da mulher no contexto social inserido pela autora. Vai muito além disso. Acho que retrata bem mais a delicadeza das relações humanas. Acima disso, acredito que o foco desse livro são as perdas, como lidar com elas e como elas afetam nosso futuro, nossas decisões.

Título Original: Stay With Me Autora: Ayòbámi Adébáyò ✦ Páginas: 256
Tradução: Marina Vargas  ✦ Editora: Harper Collins & TAG Experiências Literárias

3 de abril de 2020

Apenas Um Olhar | Harlan Coben


Apenas Um Olhar é a segunda obra de Harlan Coben que passa pelas minhas mãos e o motivo pelo qual decidi me associar à TAG. Criei tantas expectativas para esse livro que, quando comecei a ler e a narrativa não me prendeu logo de cara, fiquei extremamente decepcionada e desanimei um pouco de continuar a leitura. Quem me conhece sabe que 2019 foi um ano difícil para mim e por isso acabei adiando essa leitura para esse ano. E não me arrependo, pois o final foi tão arrebatador que compensou toda a enrolação do começo.

Nessa história Coben nos apresenta Grace Lawson, uma mulher com um passado trágico que a deixou manca e às vezes ainda lhe causa pesadelos. Quando ela pega um pacote de fotos que mandou revelar, encontra uma foto misteriosa de vários jovens, tirada anos antes, dentre eles seu marido. Quando Grace mostra a foto para Jack Lawson, ele nega estar na foto e desaparece. Ela começa então a imaginar o que tinha naquela foto que fez seu marido, seu amável marido, ótimo pai para seus filhos, sumir do mapa. Com a ajuda de amigos e outras pessoas, Grace vai descobrindo a verdade aos poucos, sendo obrigada a reviver partes do seu passado.

Como eu disse, a primeira parte do livro não me prendeu muito, Coben começa com um assassino conversando com um homem e de repente conhecemos Grace. Não que isso seja ruim, na verdade fiquei bastante curiosa com o que esse primeiro capítulo tinha a ver com o resto da história, mas os capítulos seguintes não me apresentaram nada extraordinário, nada que me fizesse pensar que não havia outra opção se não continuar lendo.

Conforme a narrativa foi fluindo, muitos personagens foram introduzidos e comecei a imaginar qual seria a ligação entre eles. Até a metade do livro não consegui pensar em nada, era impossível saber tudo o que estava acontecendo e como os fatos se entrelaçavam. Da metade pra frente a trama começa a ficar mais interessante e começamos a fazer nossas suposições.

Óbvio que 99,9% de todas as suposições que eu fiz estavam erradas. Mas as últimas 100 páginas foram as mais intensas e tensas da história. Mesmo na reta final eu me perguntei como tudo terminaria e como assim o que eu acabei de ler aconteceu? Mais uma vez Harlan Coben conseguiu me surpreender e, bem no final, mudar tudo o que eu pensava sobre a história. Tudo se encaixou, o que tinha de ser esclarecido foi esclarecido e de quebra ainda ficamos com um questionamento final que está me incomodando até agora.

Apesar de ter demorado mais tempo do que deveria para ler a obra, acredito que Apenas Um Olhar seja uma leitura obrigatória para os fãs do autor e do gênero. A edição da TAG foi enviada para os assinantes da caixinha Inéditos em julho de 2019, no aniversário de 5 anos do clube. E o livro também já está disponível na edição de livraria, publicado pela editora Arqueiro.

Título Original: Just One Look ✦ Autor: Harlan Coben ✦ Páginas: 432 
Tradução: Ricardo Quintana ✦ Editora: Arqueiro & TAG Experiências Literárias
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