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3 de março de 2023

Gostaria Que Você Estivesse Aqui, de Fernando Scheller, um retrato do Rio de Janeiro dos anos 80


Gostaria Que Você Estivesse Aqui é a primeira obra nacional enviada pela TAG Inéditos, em maio de 2021. Escrito pelo jornalista Fernando Scheller, o livro tem como ponto central a vida de cinco personagens que vivem no Rio de Janeiro durante a década de 80: Baby, Inácio, César, Selma e Rosalvo. Mesmo que indiretamente, a vida desses protagonistas acaba interligada por um ponto em comum, que é a Cidade Maravilhosa.

Os anos oitenta foram muito movimentados no Brasil, marcados principalmente pela instabilidade política. Com o fim da ditadura, o Rio de Janeiro foi palco de enormes acontecimentos históricos relevantes, como o movimento Diretas Já, que teve como objetivo a retomada das eleições diretas ao cargo de presidente da República. Outros marcos dessa década foram a aprovação da Constituição Federal de 1988 e finalmente as primeiras eleições diretas em 1989, resultado de muita luta popular. Além disso, o mundo inteiro passava por uma revolução musical, o que influenciou diretamente no cenário da música brasileira: o rock nacional começou a ganhar mais força. 

No meio de tantos marcos culturais, políticos e sociais, nosso país também foi alvo de uma das maiores epidemias mundiais, a da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida ou AIDS, doença causada pelo vírus HIV. Naquela época, era uma doença totalmente desconhecida, e ninguém poderia imaginar que infectaria mais de 75 milhões de pessoas e mataria cerca de 35 milhões. 

É nesse contexto que acompanhamos nossos protagonistas. Inácio e Baby são dois jovens com muitas expectativas para o futuro. Tudo o que Inácio quer é construir uma vida com a garota que, por sua vez, tem um forte desejo de buscar um sentido para a própria vida, algo diferente daquilo que esperam dela; nessa bagunça sentimental, Inácio conhece César, com quem constrói uma amizade muito forte. César está se descobrindo sexualmente, assunto que acabou sendo o estopim para o fim do casamento dos seus pais. Selma, portanto, além de ter que lidar com o divórcio, é obrigada a enfrentar o terrível diagnóstico que seu filho recebe. Rosalvo, por outro lado, é porteiro do prédio onde moram Selma e César, e está no Rio unicamente em busca de vingança por sua filha, uma mulher trans que foi assassinada por ser quem é.

Confesso para vocês que não esperava amar Gostaria Que Você Estivesse Aqui, mas foi o que aconteceu. É um livro muito bonito, mas igualmente triste e melancólico. A gente começa a leitura já sabendo mais ou menos o que vai acontecer, principalmente no arco do César, e por mais que não haja nenhuma reviravolta mirabolante, existe uma expectativa para o desfecho de cada um dos personagens. Além da história do César, que foi de longe minha favorita, gostei imensamente das partes sob o ponto de vista do Rosalvo. Para mim, esses dois personagens resumem o tema central do livro: a passagem do tempo, que é inevitável, e o que fazemos com ele. 

Uma coisa muitíssimo interessante sobre essa obra é que por mais que tenha sido construída sob o prisma de cinco pessoas, o real protagonista é o cenário. Apesar dos segmentos individuais, cada um com suas preocupações e desafios, todos foram influenciados por esses acontecimentos históricos que afetaram o Rio de Janeiro nos anos 80. Porém, não nego que, de certa maneira, o César é a peça central dessa trama, o elo que une todos os outros personagens. De uma forma ou de outra a história sempre volta para ele. 

É justamente sob essa perspectiva que consigo, apesar de ter amado demais essa narrativa, aceitar que a história de Rosalvo ficou muito deslocada no contexto do livro, uma vez que a única relação dele com o restante dos personagens é o fato dele trabalhar no prédio onde Selma e César moram, e existem pouquíssimas interações diretas entre eles. Dessa forma, por mais que eu ansiasse descobrir se o senhorzinho conseguiria cumprir sua missão, senti que as passagens dele quebraram um pouco o arco de César. Como eu disse anteriormente, por mais que acompanhássemos outros personagens e um pouco dos seus dilemas, o ponto central sempre foi o César. 

Da mesma forma, acredito que a Baby foi uma personagem muito mal aproveitada. Além de ter poucas passagens, ficou aquele sentimento de que ela foi apenas uma pessoa marcante na vida de Inácio, sabem? Uma garota que foi viver a vida dela, que nunca foi esquecida, mas que tampouco foi importante o suficiente. Isso porque, ao meu ver, a aventura a qual Baby buscava não foi desenvolvida da forma como merecia. Sim, ela tinha um desejo de ser diferente, mas o que ela poderia fazer para mudar seu destino de fato? No fim das contas, fiquei até me perguntando se Scheller só queria mesmo que a pesonagem se afastasse para provar que, por mais distantes que algumas pessoas estejam, elas sempre terão um lugar no nosso coração, sabem?

Também esperava ver mais dos acontecimentos históricos em si, principalmente os políticos, mas ao longo de toda narrativa eles não foram muito aprofundados. Fico pensando se isso foi proposital, uma vez que a maior parte dos personagens são pessoas da classe média/classe média alta e talvez isso influenciasse na visão que elas tinham sobre o que estava acontecendo no país. Nesse sentido também, senti bastante falta da representação da revolução musical: sim, existem referências musicais, mas nenhuma nacional de fato. 

É engraçado falar sobre esses pontos negativos, porque Gostaria Que Você Estivesse Aqui me conquistou de verdade, e isso se deu unicamente por causa do César. Fiquei tão envolvida com ele, com a história dele, que muito do que eu citei anteriormente parecereu insignificante quando finalizei a leitura. Foi muitíssimo interessante acompanhar como a AIDS chegou ao Brasil, o pânico que causava, como era vista como uma doença que afetava unicamente homens gays, todos os avanços a partir do momento em que a forma de transmissão foi descoberta... De pensar que, hoje, uma pessoa pode conviver com vírus HIV sem adquirir a doença a partir do tratamento com medicamentos antirretrovirais disponibilizados pelo SUS, né? 

De moro geral, acredito que é um livro que cumpre bem com seu propósito. Me emocionei em vários momentos, sofri antecipadamente com Selma e Inácio, torci por Rosalvo encontrar sua redenção, entendi as escolhas de Baby... Agora só me resta esperar a Globo comprar os direitos dessa história para fazer uma minissérie, tenho certeza que seria de total sucesso! 

Título Original: Gostaria Que Você Estivesse Aqui ✦ Autor: Fernando Scheller
Páginas: 320 ✦ Editora: TAG Experiências Literárias & HarperCollins

11 comentários :

  1. Ola
    Realmente a década de 80 ficou marcada por vários acontecimentos. Entre eles a Aids que vitimou muita gente. Ainda bem que hoje já se pode conviver com a doença que antes era sentença de morte. Como assim não teve referencias musicais brasileiras? Com tantas bandas otimas que faziam enorme sucesso nessa época .Uma pena.

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    1. Menina, que coisa né?
      Ainda bem que hoje o tratamento é super efetivo! E melhor: disponibilizado pelo SUS!

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  2. Lembrei do filme tic tic boom, acho que é assim se me recordo bem, que fala desse assunto tb.
    Bem interessante parece ser o livro realmente, nao tinha visto resenha sobre ele ainda. Interessante ser publicado pela tag tb.

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  3. Eu não me lembro de ter lido ou visto nada sobre esse livro,mas é um pano de fundo que choca e sim, dói na alma!
    Ainda mais com essa intensidade dos personagens, da história de cada um deles!
    Com certeza já é um livro que parece ser necessário e eu vou querer ler com certeza!!
    Beijo

    Angela Cunha Gabriel/Rubro Rosa/O Vazio na flor

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  4. Amo tudo referente aos anos 80!
    Não conhecia o livro e não se se foi ou será lançado comercialmente por uma editora, uma pena se não for. Pois tem uma grande história, bem real e instigante

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  5. Que livro bacana e que assuntos e cenário importantes de aborda. Estamos num período muito importante para falamos sobre HIV esses últimos anos o último governo chegou a cortar verba de prevenção e tratamento, triste isso e ver como a falta de ações preventivas pode destrui muito avanços que tinhamos antes.

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    1. Sim! Eu adorei de verdade. Muito bom ler nacionais de qualidade!

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  6. Ana!
    Preciso desse livro.
    Os anos 80 foram maravilhosos para mim, passei por tudo que comentou, inclusive o cenário político que foi um ganho para o Brasil,mesmo com suas inconformidades.
    TRiste mesmo não ver esse cenário ser mais explorado e ainda mais o cenário musical, porque afinal, dois ícones nacionais da época do rock pop, morreram de AIDS: Renato Russo e Cazuza.
    cheirinhos
    Rudy

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  7. Olá! Parece ser um livro muito bom, que legal que a Tag publicou um livro nacional, fiquei bastante curiosa para conferir a história de todos os personagens, ainda mais pois o pano de fundo é uma época bastante interessante do nosso país (mesmo ele não tendo sido desenvolvido tão bem), uma pena não ter a oportunidade de fazer a leitura na edição da TAG, pelo menos a edição da HarperCollins também é muito bacana.

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    1. O primeiríssimo publicado pela TAG! Se não me engano, já mandaram mais um, O Beijo do Rio, que lerei em breve!

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