O Jardim Secreto é um clássico da literatura inglesa, escrito por Frances Hodgson Burnett, a mesma autora de A Princesinha. Foi publicado em 1911, e desde então vem fazendo sucesso. Ganhou, inclusive, algumas adaptações cinematográficas, incluindo a de 1993, vencedora do prêmio Bafta, e vai rolar um remake esse ano, pelo que eu andei pesquisando! É realmente uma história encantadora sobre como uma criança descobre os pequenos prazeres da vida, mas com algumas falhas bem difíceis de engolir.
Mary Lennox é nossa personagem central, descrita como uma menininha amarga e rabugenta, além de muito mimada e mal educada. Ela é realmente isso tudo e um pouco mais; inclusive é muito difícil se imaginar gostando dela em algum momento. Mary nasceu e cresceu na Índia, mas nunca teve a companhia dos pais ou de qualquer outra criança. Quando tinha dez anos, uma epidemia de cólera toma o castelo onde vive, matando várias pessoas, inclusive seus pais. Por causa disso, é levada para viver em Yorkshire, onde tem um tio (tão amargo quanto ela), sr. Craven, que se torna seu tutor.
Gente, Mary é insuportável, mas insuportável de uma forma que eu não consigo explicar. Ela é 100% acostumada com todo mundo fazendo as coisas por ela, tanto que, no início, não consegue vestir as próprias roupas e trata todo mundo com desdém. Não fosse Martha, uma das criadas do sr. Craven, essa menina estava perdidinha. Além de ser muito paciente, consegue fazer com que ela comece a brincar ao ar livre, e não fosse isso, nunca descobriria o Jardim Secreto. O jardim tem esse nome porque o sr. Craven proibiu qualquer pessoa de entrar lá dentro por causa de algo muito triste que aconteceu em sua vida há mais ou menos dez anos — sim, o lugar fica trancado por todo esse tempo.
Existem outros personagens muito importantes, como Colin Craven, que só aparece na história quando ela já está bem adiantada. Não é necessariamente um spoiler, mas o garoto é mantido escondido no quarto porque todo mundo acha que ele vai morrer logo — engraçado porque todo mundo acredita nisso há dez anos e, no entanto, o menino segue vivinho da Silva. Gente, a Mary do início do livro é um anjinho perto desse menino. Mesmo com a melhora na personalidade dele no decorrer das páginas, não consegui gostar dele, principalmente porque ele se acha o dono do mundo e faz birra por qualquer coisa. Todas as suas vontades são feitas sem nem questionamento, e ele trata as pessoas que fazem TUDO por ele como se fossem lixo. Não tive paciência NENHUMA. O problema maior que a autora tenta justificar esse comportamento mesquinho dele com sua "doença" que nem existe de verdade. Enfim.
O egoísmo de Colin é o menor dos problemas em O Jardim Secreto. Claro que fiquei contente por duas crianças passarem a viver como crianças, brincando, se divertindo e, acima de tudo, mudando o comportamento horrível aos pouquinhos, mas não consigo fechar os olhos para as diversas passagens racistas e com preconceito de classe. Só para vocês terem uma breve ideia, selecionei alguns trechos que me deixaram muito incomodada:
"É, deve ser diferente mesmo", disse, num tom quase compreensivo. "Deve de ser por causa que tem tantos pretos lá, em vez de pessoas brancas respeitáveis".
[...]
"Eu não tenho nada contra os pretos não, viu? [...] Eu nunca vi uma pessoa preta na vida e estava contente achando que ia ver uma de perto."
"Mesmo que não seja Mágica de verdade, nós podemos fazer de conta que é. Alguma coisa tem lá. Alguma coisa tem!"
"É Mágica", disse Mary. "Mas não é magia negra. É uma magia branca como a neve."
Eu com certeza entendo que estamos falando de uma história que se passa em um século diferente e que, infelizmente, isso faz parte do contexto histórico da época... Mas eu simplesmente não consigo ignorar esse tipo de coisa, principalmente porque, nesse caso, é a essência da própria autora. É muito diferente quando um autor escreve sobre racismo para nos mostrar essa luta diária, para usar seu texto como forma de protesto e combate ao problema. E sobre o preconceito de classe, a história coloca o pobre como inferior o tempo inteiro, tratando-os como caipiras e afirmando que não tem nenhum intelecto. É muito triste, sabe? Fiquei muito chateada, principalmente porque é uma história com um bom desenvolvimento.
Apesar de tudo ser narrado sob o ponto de vista de Mary, acredito que o personagem principal desse livro é o próprio jardim, afinal, tudo acontece por causa dele. O ponto principal aqui, acredito eu, é mostrar o milagre que acontece com as crianças, que praticamente nascem de novo ao conquistar uma felicidade que nunca tiveram, ou seja, o jardim representa um recomeço.
Então, sim, O Jardim Secreto passa uma mensagem muito bonita sobre mudanças e a narrativa é tão fluida e gostosa que não é difícil aceitar o sucesso que faz até hoje. Mesmo deixando a desejar nos aspectos que citei anteriormente, não posso falar que odiei o livro com todas as minhas forças, pois estaria mentindo. Não acho que temos que ignorar acontecimentos que refletem em nossa sociedade racista até hoje, expor essas passagens faz parte da nossa caminhada como leitores, mas aprendi tanta coisa e a autora escreve com tanta tranquilidade que realmente não consegui odiar.
Ah, só mais uma informação para quem quiser adquirir a versão publicada pela Penguin Companhia: deixem para ler a introdução, escrita por Alison Lurie, depois de terminarem a leitura. Como é um pequeno estudo da história, há muitos spoilers, informações detalhadas e interpretações, o que, na minha opinião, pode comprometer sua própria análise sobre o texto.
Título Original: The Secret Garden ✦ Autora: Frances Hodgson Burnett
Páginas: 344 ✦ Tradução: Sonia Moreira ✦ Editora: Penguin Companhia