Desde que eu li A Assombração da Casa da Colina (que inspirou a série da Netflix, A Maldição da Residência Hill), eu não perco uma oportunidade de ler Shirley Jackson. A autora, que é considerada uma das maiores autoras de horror e mistério norte-americanas, inspirou autores como Stephen King e Neil Gaiman.
Jackson constrói seus horrores sem depender de monstros e fantasmas. Frequentemente, a autora sugere o horror de forma sútil e implícita: nas tensões domésticas, nos medos mais íntimos e nas mentes instáveis. Em minha opinião, Jackson é brilhante e atemporal.
Ela frequentemente explora traumas, repressões e inseguranças. E faz tudo isso de forma quase clínica, especialmente em O Ninho do Pássaro. Outra característica marcante de suas histórias é o questionamento de normas sociais, especialmente as que envolvem expectativas sobre mulheres, família e comportamentos socialmente aceitáveis.
Enfim, essa resenha é uma resenha inversa, porque eu já vou começar dizendo que eu amei O Ninho do Pássaro (assim como amo tudo que já li da Rainha Shirley). E agora sim, vou explicar pra vocês porque esse livro é mais um acerto da autora.
O Ninho do Pássaro nos apresenta à Elizabeth Richmond, uma jovem de 23 anos que mora com a tia, trabalha em um museu e vive seus dias de forma tímida, discreta e quase sem ser notada por ninguém. Elizabeth é, de forma muito direta, insignificante e desinteressante.
No entanto, Elizabeth começa a apresentar alguns problemas de saúde que a levam ao Dr. Victor Wright. A partir disso, a história revela sua verdadeira complexidade: Elizabeth não é uma pessoa tão desinteressante assim, ela tem diferentes personalidades coexiatindo dentro dela.
Cada personalidade possui uma identidade própria, características específicas e até modos diferentes de falar e de se comportar. Essa fragmentação se transfere também para a narrativa do livro, com pontos de vista que se alternam e dão ao leitor um panorama mais completo da situação.
Particularmente, eu adorei os capítulos narrados pelo Dr. Wright. Apesar de não simpatizar com a pessoa dele, o olhar clínico que ele traz e sua narrativa ácida e cínica me conquistaram. Mas, é claro que gostar de sua narrativa é diferente de gostar ou de concordar com ele. Victor possui uma preferência nojenta por uma das personalidades de Elizabeth: aquela que é mais doce, simpática e inocente. Óbvio.
As influências da Psicanálise ficam evidentes na história e Shirley Jackson demonstrou amplo conhecimento sobre vários temas, incluindo hipnose, que é usada pelo Dr. para acessar as outras personalidades. A personalidade mais interessante e que até ganha um capítulo sob seu ponto de vista é Betsy. Rebelde, insolente e provocadora, Betsy é aquela que mais disputa pelo controle do corpo/mente de Elizabeth.
Mesmo que Shirley Jackson não tenha sido uma autora diretamente vinculada à Psicanálise, é impossível ignorar como O Ninho do Pássaro dialoga com ideias que estavam em efervescência no século XX, período em que a psicanálise ganhava enorme força cultural. Jackson viveu justamente numa época em que teorias sobre o inconsciente, repressão, dissociação e múltiplas camadas da personalidade estavam no centro dos debates sobre a mente humana e isso fica muito evidente no livro.
A fragmentação de Elizabeth ecoa conceitos psicanalíticos clássicos, como a cisão do eu, os mecanismos de defesa e a manifestação simbólica de traumas reprimidos. Mais do que usar esses elementos como referência teórica, Jackson demonstra, com enorme sensibilidade, a luta interna entre partes dissociadas da psiquê humana.
Para quem gosta de mergulhar na mente de personagens complexos, O Ninho do Pássaro oferece uma leitura intensa e reflexiva sobre identidade, memória, trauma e recuperação. Hoje em dia, o tema das "multiplas personalidades" já está bastante batido. O filme de 2016, Fragmentado, escrito e dirigido por M. Night Shyamalan, talvez seja um dos exemplos de maior sucesso. Mas, pensar que Jackson escreveu sobre isso de forma tão inteligente e clínica em 1954 é surpreendente. Adorei!

Oi Pri,
ResponderExcluirTenho uma relação conturbada com Shirley kkk
A conheci através de outro livro. Em Juntando os pedaços, a protagonista tem como livro favorito Nós Sempre Vivemos no Castelo. E de tanto mencionarem, fiquei curiosa e acabei lendo. E curti muito, apesar de fugir do meu estilo literário e ter final aberto.
Também li Maldiçã0 e gostei.
Já Homem na forca, não rolou pra mim.
Confesso que esse eu não conhecia e achei bem interessante e vou procurar mais detalhes sobre Ninho de pássaro