Alchemised quase dispensa apresentações. Começou como uma fanfic de Harry Potter e conquistou uma legião de leitores online. O sucesso foi tão grande que acabou se transformando em um livro publicado, prometendo entregar a mesma emoção e intensidade da fanfic, mas dentro de uma nova história com um universo e sistema de magia completamente originais. Eu nem sou uma grande fã de Harry Potter, mas cresci assistindo os filmes, portanto, esse universo faz parte das minhas referências mais remotas.
Antes de ser Alchemised, a fanfic se chamava Manacled e era um romance entre Draco e Hermione numa versão da saga em que Harry Potter morre e Voldemort vence a batalha. Em Alchemised, Draco e Hermione se tornaram Kaine e Helena. E é aqui que surge a primeira grande dificuldade de transformar uma fanfic em uma história original. Quando você inicia a fanfic, já há muita emoção envolvida, porque conhecemos aqueles personagens. A dor da Hermione é real porque a vimos crescer (nos livros e/ou nos filmes). Já na história original, SenLinYu precisou nos dizer e nos convencer de que Helena estava devastada com o desfecho da guerra, o que não tem o mesmo impacto.
Mas fica ainda mais difícil. Em Manacled, SenLinYu não precisou criar um universo e um sistema de magia. Afinal, eles já existiam. No entanto, para ser publicado como uma história original, SenLinYu precisou criar tudo do zero. E será que conseguiu? Bom, na minha opinião, não. O universo criado para Alchemised é confuso, incoerente, cheio de falhas e parece um recorte de um monte de coisa que já existe, só que mal feito. SenLinYu até tenta, e muito, incansavelmente, por muitas e muitas páginas, explicar e dar sustentação para esse mundo, mas nada faz muito sentido, muita coisa fica sem resposta ao final do livro e há diversas contradições (como dizer que animantes são raros e, ao final do livro, uma galera era animante em segredo 🤡).
A proposta até chama atenção: um mundo de alquimia, segredos e moralidade cinzenta. Mas o que poderia ser um universo rico e fascinante acaba se perdendo em um enredo confuso, mal explicado e repleto de inconsistências. O livro é extenso (MUITO extenso) e boa parte dessa extensão se deve à repetição. Repetição de ideias, de falas e de situações que não acrescentam muito à trama. Em vários momentos, senti que estava lendo a mesma cena sob uma luz ligeiramente diferente. Por exemplo, quando SenLinYu tenta nos mostrar como Helena é mal tratada pela resistência. Ela nos mostra isso uma, duas, dez, cinquenta vezes e OK, JÁ ENTENDI.
O maior problema, talvez, seja o desequilíbrio entre a ambição de SenLinYu e a execução. Há uma tentativa de criar algo grandioso e denso, mas o resultado é um mundo que soa inacabado, com regras vagas, confusas e inconsistentes. A leitura acaba se tornando cansativa, e é difícil se manter investido quando a lógica interna da história não se sustenta.
Certo, não funciona como fantasia... Mas e como romance? Afinal, era assim que se vendia quando ainda era uma fanfic Dramione. E, de novo, não, não funciona como romance também. O casal principal é tão insosso quanto o próprio enredo, com um slow burn que não desperta expectativa nenhuma e interações que carecem de química real. Tudo soa previsível e recheado de clichês, com declarações grandiosas e frases que causam vergonha alheia, como o clássico “você é minha”.
Alguns momentos, principalmente mais próximos do fim da guerra, quando as coisas já estão num nível de tensão realmente elevado, até são interessantes. O medo que eles têm de perder um ao outro, já que estão, tecnicamente, em lados opostos da guerra e não podem estar juntos em momentos críticos, é de fato tocante. A angústia para se verem e se certificarem de que o outro está vivo e sem ferimentos dá certa emoção à história. Mas nem de longe é o suficiente para deixar a leitura menos cansativa.
E se o romance não convence, a estrutura da narrativa também não ajuda. O livro é dividido em três partes. A primeira parte já no pós-guerra, quando Helena desperta sem partes importantes de sua memória e é enviada para Kaine, para que ele possa descobrir o que ela reprimiu. A segunda parte é a maior e conta o que aconteceu na guerra, ou seja, trata-se de um flashback, que vai contar tudo que aconteceu para chegarmos no ponto em que a história iniciou. A terceira parte é o que acontece depois. Ou seja, é como se a ordem cronologica fosse: parte 2, parte 1 e parte 3.
A primeira parte é bem confusa e cansativa, pois é onde SenLinYu explica seu universo e estabelece as regras e o sistema de magia. A segunda parte é repetitiva e desnecessariamente longa, já que a gente já sabe qual vai ser o desfecho. A terceira parte tinha tudo pra ser a mais interessante, mas eu já estava tão cansada que só queria que acabasse logo. É muito triste terminar um livro e pensar “finalmente acabou!”, mas, infelizmente, foi exatamente assim que me senti.
Antes mesmo de sua publicação, as pessoas já falavam sobre como era um livro emocionalmente denso, com cenas pesadas e gráficas e cheio de gatilhos. Eu não sou muito impressionável quando se trata de leitura e, particularmente, não achei tão pesado. Também vi alguns fãs da fanfic dizendo que SenLinYu suavizou esses aspectos para o livro original, então provavelmente tenha sido isso. A cena que, na minha opnião, poderia ter sido a mais pesada, pois envolve violência sexual, é descrita de uma forma tão confusa que não sei se teve realmente o efeito desejado. Fora que SenLinYu se esforça muito para suavizar tudo que Kaine faz, até as coisas mais atrozes. É evidente que elu queria que não o víssemos como vilão, mas apenas como alguém forçado a se fingir de mau.
A Debs Costa do @plotpersuits falou algo que eu concordo plenamente: no processo de leitura de Alchemised, o leitor precisará preencher lacunas com aquilo que ele previamente sabe porque ele leu/assistiu Harry Potter. Isso acontece em vários momentos do livro. Há muitas lacunas e a gente só consegue preenche-las quando relacionamos com o universo de Harry Potter. A pergunta que fica é: Alchemised deixou mesmo de ser uma fanfic? A resposta, obviamente, é não. Porque, se tivesse deixado, conseguiria existir e se sustentar sem que o leitor precisasse ficar resgatando o universo de Harry Potter para compreender o livro.
Sobre os personagens, é até difícil pensar em algo relevante para dizer. Luc, que seria o Harry Potter, é quase que completamente irrelevante para a história. Como líder de uma resistência é até estranho como tudo acontece sem ele saber ou estar presente. Sendo um livro de guerra, era de se esperar que houvesse muitas mortes ao longo da história. E até há, mas é triste dizer que eu não senti nada. Não me afeiçoei a nenhum personagem. Livros muito menores conseguem criar conexão entre leitor e personagens, e esse, com quase mil páginas, não conseguiu. A única personagem de quem eu gostei foi Helena, mas me incomoda o tanto que dizem que ela é inteligente e eu quase não consegui ver essa inteligência. O livro todo é ela sendo a última a saber, a última a entender e a última a descobrir. Hermione é inteligente; Helena é uma songa monga (mas ela é legal 👍🏻).
No fim das contas, Alchemised foi decepcionante. Eu estava curiosa e empolgada com a leitura e me esforcei para gostar, mas não teve jeito. Os furos na história, a extenção desnecessaria e o romance xoxo não conseguiram me manter investida. Entendo o apelo da obra como fenômeno, especialmente para quem acompanhou a fanfic e tem uma conexão afetiva com ela. Mas, isoladamente, Alchemised não se sustenta como romance original. É um daqueles casos em que o entusiasmo dos leitores e o hype acabam sendo mais interessantes do que o livro em si. Inclusive, vi fãs da fanfic criticando também, então acredito que esse processo de transformar a fanfic em obra original realmente desgastou a história e a fez perder qualidade.
O resultado é uma história que tenta ser épica e intensa, mas acaba sendo apenas longa e cansativa. Há uma ambição visível, mas pouca coerência, e a magia, tanto literal quanto emocional, simplesmente não acontece.

Eu como alguém que nunca leu HP e não pretende ler, fico acompanhado de camarote o frisson causado por esse lançamento
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