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20 de junho de 2017

Jantar Secreto | Raphael Montes


Há duas formas de encarar Jantar Secreto: a primeira, e mais óbvia, seria um misto de drama e horror, onde um grupo de jovens, vindos do interior do Paraná, fracassam na tentativa de construir uma vida profissional de sucesso no Rio de Janeiro, e encontram a solução de seus problemas na organização de jantares milionários, onde servem carne humana. Por esse pequeno enredo, fica evidente o quanto a narrativa pode ser pesada e degradante. Entretanto, seguindo por esse caminho, o livro fracassa miseravelmente.

A segunda forma de encarar Jantar Secreto, é classificar a história de humor negro, onde o absurdo das situações faz rir. Por esse outro caminho, o livro agrada e atinge o objetivo de entreter, o que, talvez, não tenha sido o proposto originalmente pelo autor.

Quando se escreve uma história, o autor precisa tomar cuidado com diversas coisas. Entre elas, transformar o que conta em algo verossímil, algo que o leitor compra e acredita, mesmo que os personagens sejam anjos, vampiros, monstros, ou, neste caso, jovens que propagam o canibalismo como forma de ganhar dinheiro.

Ao iniciar a leitura de Jantar Secreto, o leitor começa acreditando que algo irá acontecer, mas já nas primeiras páginas, quando o motivo do canibalismo é apresentado, começa uma trajetória de absurdos, que vão crescendo em quantidade e intensidade, que não convencem, não só pelos furos do roteiro, como pelas motivações.

A verdade é que você não precisa comer carne humana para incentivar atos monstruosos, basta curtir um bife e uma linguiça que já está dando sua contribuição para o horror.

Nesse ponto, a obra não desaba apenas por um motivo: o humor empregado acidentalmente nos pensamentos e ações de todos os personagens. Digo acidentalmente, porque, pela minha ótica, o autor não teve essa intenção, uma vez que, por diversas vezes, ele coloca Dante, o personagem principal e narrador, a dizer que o que está contando é sério, que o que eles estão fazendo, poderia ser feito por qualquer um de nós nas mesmas situações, que as coisas que eles perpetuam é horrendo e que não é passível de perdão. O que penso é que, ao escrever, o autor percebeu o quanto as situações criadas eram desprovidas de causa, que era necessário implorar para o leitor acreditar que elas poderiam, realmente, acontecer.

Sinto muito, mas não. Ninguém em perfeita saúde mental, ou mesmo nem tanta, apenas por uma dívida de aluguel, que pode ser paga com o dinheiro da mãe de um deles, torna-se assassino e comedor de pessoas. Inclusive, o autor, ainda pela voz de Dante, afirma que as pessoas loucas são menos perigosas que as normais, uma vez que são estas últimas quem, normalmente, perpetuam as maldades. Novamente, sinto discordar. A partir do momento que uma pessoa executa um ato de maldade sem causa, ela tem uma psicopatia e, portanto, não é normal.

Então, o que nos resta, é acompanhar o desenrolar dos acontecimentos e rir dos absurdos que vão sendo apresentados, como a prostituta que se mostra extremamente competente em decepar membros humanos, suando uma motosserra amarela com adesivos, o cozinheiro que usa esses membros como se fossem iguarias, o administrador que recebe os convidados com um sorriso no rosto, mesmo sabendo que as pessoas estão sendo assassinadas, e o especialista em informática, que consegue invadir quase qualquer computador, menos uma conta do Instagram, quando uma foto do jantar vaza.

Encarando dessa forma, como uma comédia recheada com partes humanas e regada com sangue, a leitura é prazerosa e divertida, principalmente pelo total declínio de caráter dos personagens principais: Dante é gay, passa todo o livro lamentando sua vida desgraçada, sua incapacidade de impedir os jantares e o desmoronamento da amizade com seus amigos, além de criar um romance, justamente, com o marido de uma das pessoas que foram servidas no jantar; Hugo almeja ser um cozinheiro famoso, criador de iguarias difíceis de reproduzir, o que, de certa forma consegue; Miguel torna-se médico e, da mesma forma que Dante, passa todo o livro chorando e dizendo que não quer participar daquele negócio horrendo, mas sempre acaba se envolvendo; Leitão é o hacker, cujo conhecimento de informática é tão extenso quando a necessidade do enredo, isto é, ele vai de um burro total a um gênio nos computadores; e, finalmente, a personagem mais interessante e engraçada, que é Cora, a prostitua que Dante, Miguel e Hugo contratam como presente de aniversário de Leitão, e que se torna peça fundamental de todo o enredo.

Você é engraçado, sabia? Se a carne vem naquele pacote, coberto por plástico transparente, você não se importa. Pega, frita e come sem nem pensar de onde veio. Agora fica aí, cheio de mi-mi-mi. Quer saber? A única diferença é que não sou hipócrita como você.

Inclusive, Cora é a protagonista de algumas tiradas que o autor dispara a diversos segmentos. Ela escreve poesias e frases de efeito, porque seu sonho é escrever e publicar um livro. Essas frases são mencionadas por Dante em toda a narrativa, e sempre estão associadas a algo que aconteceu, ou que está prestes a acontecer. Em determinado momento, lá para o meio do livro, Dante precisa encontrar uma forma de lavar o dinheiro que os cinco ganham. A forma que ele encontra, é publicando os textos de Cora, como se fosse uma editora. E após isso, Cora se sente realizada, dizendo ser uma autora publicada.

Realmente, hoje em dia, para ser um autor de livro publicado, só é necessário dinheiro. Existem diversas editoras que funcionam como gráficas, que não se preocupam com o conteúdo ou qualidade da obra, que não fazem revisões ou expõem opiniões, e publicam qualquer coisa que qualquer um pague. Entretanto, um autor publicado por uma editora tradicional, que não cobra pelo serviço, também não oferece garantias de qualidade, uma vez que se qualquer um observar, existe muita coisa ruim publicada por editoras ditas como grandes. E se o autor não paga para isso, existe algo que se chama lobby, ou seja, peixinho, quem indica, apadrinhamento. E isso, a meu ver, é bem pior que do que o autor que tem dinheiro para pagar pela publicação de sua obra.

Continuando o desmembramento de Jantar Secreto, o que começa com a ideia de apenas um jantar, servindo partes de um defunto ao preço de cinco mil reais por pessoa, torna-se um aglomerado industrial, com abatedouros espalhados por diversas capitais do país, envolvimento de inúmeros policiais de rodovias estaduais, como também detetives, garçons, açougueiros, motoristas, assassinos, sequestradores, e um crescente de outros absurdos, que seriam facilmente descobertos e desmascarados, pela extensão que atingiram, até que chegamos a um clímax onde se confunde o certo com o errado, onde não se aplica nenhuma moral, onde jorra sangue para todos os lados e onde é revelada uma explicação para tudo isso, que, enfim, é divertida e faz rir pelo teor nonsense.

Entretanto, tem uma coisa que Jantar Secreto faz muito corretamente, que é o paralelo entre a produção industrial de carne humana e carne animal. Por diversas vezes, o autor realiza essa comparação, alertando para que, hoje em dia, os matadouros são máquinas de produzir animais para abate, deixando de lado qualquer pingo de compaixão. Que a mesma carnificina realizada nas pessoas, que ele descreve no livro, existe igual para bois, galinhas, porcos, etc. Tudo bem que precisamos delimitar as duas comparações, contudo não podemos esquecer que em ambas, estamos tratando de seres vivos. 

Título Original: Jantar Secreto
Autor: Raphael Montes
Páginas: 360
Editora: Companhia das Letras
Livro recebido em parceria com a editora
Compre aqui 
Texto por Carlos Barros

11 comentários :

  1. Oi Ana, até desejo sucesso pro autor que é nacional, e espero que as pessoas consigam ter essa segunda visão do humor negro da história, mas acho que ela não ia funcionar comigo, esse lance de canibalismo é diferente sim, mas não me agrada. Ainda assim curti a analise bem sincera que você fez da história ;)

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  2. Esse não não combina em nada comigo. Não gosto muito de ler esses livros pesados, que envolve canibalismo e humor negro!
    Iria tacar o livro na parede e depois jogar fora. Várias pessoas gostaram, mas sei que não tenho estômago o suficiente para ler, então passo essa leitura!

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  3. Oi Aan
    Gosto mais de ler romances e tal, mas as vezes pego um suspense e geralmente adoro livros do gênero... gosto de sair da minha zona de conforto as vezes.
    Já li o livro Dias Perfeitos do Raphael e confesso que não gostei muito. Realmente o autor tem uma escrita com um humor negro, mas a premissa desse não me agradou, apesar de ser bem diferente por falar de canibalismo.
    Bjos

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  4. Já li alguns comentários sobre este livro, tanto positivos quanto negativos, eu também acharia um absurdo algumas coisas retratadas pelo autor, como se tivesse alguma normalidade em alguns acontecimentos, então no momento eu não leria este livro, pois sei que eu não curtiria a história.

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  5. Oi.
    Já conhecia o livro, apesar de não ter lido. Realmente deve ser uma leitura pesada. A premissa não me conquistou, com certeza não iria ser uma história que me agradaria. Mas, desejo sucesso ao autor e uma boa leitura aos fãs.
    Ótima resenha.
    Beijos.

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  6. Eu lembro que na época que esse livro foi lançada eu não sentia a minima atração pela história e posso dizer que ainda não sinto, pelo que já vi em muitas resenhas ele começou o livro de um jeito e achamos que ele iria mirar em um alvo e acabou acertando outro. Eu vou dispensar a leitura mesma, essa ideia de carne humana servida como comida, não que eu duvida que exista já que o mundo é louco, mas ainda sim em um livro isso não me desse pela garganta.

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  7. Oi Ana!
    Eu ganhei esse livro mas ainda não li, simplesmente pelo fato de como ele trata o assunto, não sei, tenho vontade de ler e não tenho ao msm tempo, vou adiando at´q me convencer que valerá a pena...
    Bjs

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  8. Confesso que me parece interessante!

    Grande abraço,
    Victor N Souza
    www.cafeidilico.com

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  9. Li o livro e gostei, foi minha primeira leitura do autor, só achei o motivo deles fazerem esse jantar fraco, pois nao era muito dinheiro, mas mostra do que as pessoas são capazes de fazer por dinheiro, o final me surpreendeu não esperava.

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  10. Nossa esse livro deve ser chocante. Pelo jeito o autor gosta de escrever romances perturbadores... Tentei ler Dias Perfeitos mas parei lá pela metade, já que as personagens principais não me agradaram muito, e parece que o autor não buscou, pelo menos nesse livro, a simpatia do leitor. Já li muitos livros pertubadores(Captive in the dark ganha de todos, eu sou louca por esse livro), mas ele precisa me segurar, despertar minha curiosidade. Espero que Jantar Secreto seja um desses. Ótima resenha!

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  11. Ana!
    Entendo seu ponto de vista e em certa parte até concordo...
    Agora devo dizer que, apesar de não termos contato com realidade do tipo (pelo menos eu não tenh), existe muito o que vem descrito no livro, pessoas que se reunem para apreciar a carne humana e cometerem homicídios por vários motivos... No mudo existe de tudo, como diz maridão: o mundo é completo. O que não quer dizer que aceite...
    Acredito que tudo está no enfoque como percebemos o livro e se for como uma ficção esdrúxula e com um terror que amedronta apenas em imaginar que pode acontecer, deve ser uma leitura apreciável.
    Sou admirado do autor, mas ainda não li esse livro dele.
    Boas festas juninas e bom final de semana!!!!
    “O que importa afinal, viver ou saber que se está vivendo?” (Clarice Lispector)
    Cheirinhos
    Rudy
    TOP COMENTARISTA DE JUNHO 3 livros, 3 ganhadores, participem.
    http://rudynalva-alegriadevivereamaroquebom.blogspot.com.br/

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