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13 de maio de 2020

Todo Dia a Mesma Noite | Daniela Arbex


Todo dia a Mesma Noite é um livro difícil de ser lido.

Eu tenho lembranças de alguns casos brasileiros na minha memória, sendo eles o Caso Isabella Oliveira (Nardoni); Eloá (até hoje eu sinto um frio na espinha porque o prédio de onde ela saiu morta eram iguais ao do vizinho ao que eu morava na época) e o da Boate Kiss. É muito assustador você acordar e ligar a TV e ver todos os canais falando de uma coisa, porque isso sempre indica tragédia. E a verdade é que ninguém tinha a menor noção do nível de tragédia da Kiss.

Os aparelhos tocavam juntos e cada telefone tinha um som diferente. Muitos tocavam conhecidas músicas sertanejas, outros, forró e até o repertório tradicional gaúcho. Na maioria dos casos, porém, o visor indicava a mesma legenda: "mãe", "mamãe", "vó","casa", "pai", "mana" (...) quando finalmente amanheceu em Santa Maria, um dos celulares contabilizava quase 150 ligações não atendidas. (...) O protocolo de urgências e emergências impede de qualquer pessoa no local de um acidente atenda ao celular dos envolvidos.

O incêndio na boate é considerado o segundo maior na história do Brasil, com 242 vítimas fatais e 680 feridos na madrugada do dia 27 de janeiro de 2013 em Santa Maria no Rio Grande do Sul. A maioria das vítimas não morreu queimada, mas sim intoxicada/asfixiada, já que a fumaça que se espalhou na boate era extremamente tóxica. E o pior é que demoraram pra descobrir isso, afetando também a vida dos sobreviventes que ficaram com problemas respiratórios.

O livro de Arbex traz relatos desde as famílias que perderam seus filhos até da bombeira Liliane Dutra que estava no Centro Esportivo de Santa Maria coordenando a identificação dos corpos sob condições que deixavam o ar com mal cheiro e o espaço muito abafado. Jovens que planejavam celebrar aniversários, conclusões de cursos — já que Santa Maria é uma cidade universitária — ou simplesmente dançar em um sábado a noite.

Na prática, os frequentadores da Kiss foram envenenados pelo mesmo gás letal usado nas câmaras de gás construídas nos campos de concentração nazistas, entre eles Auschwitz, na Polônia, durante a segunda guerra mundial. A associação do cianeto com o monóxido de carbono potencializou o efeito do envenenamento, que resultou em alteração no estado mental dos frequentadores da boate, perda de consciência, colapso cardiovascular seguido por chique, edema pulmonar e morte.

Foi quase impossível não soltar uma lágrima ou duas entre os capítulos. A autora fez um trabalho excelente ao mostrar as emoções e a humanidade de quem sofreu com a irresponsabilidade do homem.

Também temos partes enfurecedoras quando Arbex entra na questão dos processos criminais que hoje, 2020, ainda não aconteceram. Na época do incêndio, em 2013, a culpa era jogada pra todos os lados, sobrando processo de difamação e calúnia até para os pais — sim, que perderam seus filhos na tragédia — vindas do Ministério Público que se sentiu ofendido por ouvirem que eles não estavam fazendo um trabalho justo e digno. O dono da boate e seus sócios até hoje tentam empurrar a culpa pra cima dos bombeiros e pro MP. O MP joga pros pais e os bombeiros sofrem por terem sido acusados de coisas inimagináveis.

Quando a casa noturna incendiou, mas de três depois da abertura do inquérito (pra investigar poluição sonora), ele ainda estava em andamento. Com o incêndio, acabou sendo arquivado em função da perda do objeto da ação. O fato é que só em 2009, a Kiss foi multava cinco vezes por descumprimento de exigências legais. Apesar disso, continuou aberta.

Um bola de neve cheia de faltas governamentais, funcionamento da boate sem regulamentações obrigatórias — que escaparam nos processos burocráticos? — e a cobiça de empresários que estavam funcionando naquela noite muito, mas muito acima mesmo da capacidade do prédio físico. Tudo isso transformou o incêndio na Kiss em uma tragédia nacional e internacional que traz feridas abertas até hoje que não se cicatrizam.

Sinceramente, eu não sei como escrever essa resenha. Da parte literária, eu aplaudo de pé o trabalho de Arbex feito com respeito e apuração dos fatos. É um livro pesado pelo tema, mas de leitura fácil. E quem tem o protagonismo aqui é quem merece.

Meu coração ficou pesado com a realidade da injustiça. O responsável por acender o fogo de artifício que deu início ao incêndio iria ao tribunal do júri em março, mas com a pandemia do Coronavírus foi movido para o segundo semestre.

Na prática, a Kiss ficou aberta durante 42 meses e 27 dias. Nesse período, por 31 meses, funcionou sem o alvará sanitário, incluindo o dia da tragédia. Por vinte meses, funcionou sem a licença de operação ambiental. Por dezessete meses, funcionou sem o alvará de prevenção e proteção contra incêndio. Por sete meses funcionou sem o alvará de localização.

Os outros réus no processo, que incluem o dono da boate e sócios, irão também a julgamento, mas sem data prevista. Todos são indiciados por dolo eventual (quando o réu imputado não queria cometer crime/gerar o resultado criminoso, mas assumiu o risco de), homicídio doloso das 242 vítimas fatais. Acho que só quem ler vai conseguir entender a dificuldade de me expressar na resenha.

Título Original: Todo Dia a Mesma Noite ✦ Autora: Daniela Arbex
Páginas: 248 ✦ Editora: Intrínseca
Livro recebido em parceria com a editora
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17 comentários :

  1. Olá Ana!
    Essa tragédia deixou cicatrizes por todo os lados. Realmente é muito triste e só posso orar para que o tempo vá tirando o luto (que sim, perdura por anos e anos) dos familiares e o substitua por memórias felizes dos entes perdidos.
    O trabalho jornalístico está impecável, e denota todo o esforço de Daniela para a coleta e compilação das mais variadas informações relacionadas com ocorrido.
    A justiça nesse país é muito falha, e Arbex expõe isso de uma forma muito clara, mostrando que ninguém esqueceu e que a luta continua.
    Beijos.

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  2. Como ler uma resenha assim e não se emocionar? Eu me lembro direitinho de acordar numa manhã e ir me dando conta dessa tragédia.
    Até hoje, mesmo anos depois, isso ainda dói na gente que está longe. Imagina nas famílias???
    Esse livro foi muito elogiado na época, ele está na minha lista de desejados e espero de coração ainda o ler e me emocionar mais ainda.
    Beijo

    Angela Cunha Gabriel/Rubro Rosa/O Vazio na Flor

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  3. Imagino o quão triste foi a leitura. Mais devastador ainda é a dor das famílias que perderam seus jovens e daqueles que sobreviveram e até hoje carregam sequelas.
    Sem falar na injustiça e impunidade e no sentimento de que tudo poderia ter sido evitado se as normas e regras tivessem sido seguidas.
    Não sei se sou capaz de ler o livro, emocionalmente falando.

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  4. Olá Ana Gabriela!
    É muito triste mesmo ver a história do nossa país permeada de tragédias como essa. A autora só evidencia o que já sabemos, a justiça é lenta por aqui e nem sempre os culpados são condenados ou sofrem alguma punição. Dói ver essa tragédia ser comparada ao extermínio de Judeus pelos nazistas, detalhes deixam a gente muito abalada. Com certeza uma leitura desafiadora.
    Beijos

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  5. Olá! Chego até a afirmar que uma certa vinheta de um famoso canal de TV meio que me traumatizou e simplesmente tenho calafrios ao ouvi-la, pois já está associada a algo ruim, muito ruim. Essa tragédia até hoje emociona e revolta, por tantos descasos, tantos e “se”, foram pequenas ações que poderiam ter mudado o destino de muitas pessoas. E em meio a dor e ao luto, os familiares ainda se veem em meio a injustiça, tão característica do nosso país.

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  6. Ana Gabriela!
    Infelizmente a justiça no nosso país, além de lenta, não é tão justa quanto se espera.
    Pelo visto o autor fez um trabalho de pesquisa exemplar e comovente.
    É um tema doloroso, porém acredito que temos de saber sobre os detalhes e nos compadecermos das vítimas e seus familiares.
    cheirinhos
    Rudy

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  7. fiquei emocionada só de ler a resenha, não tem como não lembrar do dia que a tragedia ocorreu, mesmo quem mora longe ficou acompanhando pelas mídias (a parte dos celulares com mensagens das mães perguntando onde os filhos estavam, pra mim, é a parte que mais me deixa triste) E concordo com vc, a parte da (in)justiça é a pior, a gente vê claramente a cobiça do Homem.

    Eu lembro que a banda que tocava no dia (e começou o incêndio) quis voltar a tocar em um lugar, houve uma mobilização nas redes para cancelarem o evento e eles não tocarem em lugar algum (já que estavam todo livres mesmo diante do crime cometido), claro que eles apelaram para o vitimismo, que não era culpa deles blablabla (muito mais raiva ainda). Parece que agora trocaram o nome da banda.

    Acho esse livro de extrema importância, faz a gente não esquecer do que aconteceu e que o crime ainda continua impune, queria poder dizer "lembrar para não repetir" mas a gente sabe que isso é diferente no Brasil, então nos resta "lembrar para continuar a exigir o que é certo"

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  8. Oi, Ana
    Esse é um dos casos que me lembro até hoje, difícil esquecer!
    Os quotes que você trouxe podemos entender que a autora pesquisou muito e nos presenteou com um enredo fascinante, mesmo que seja triste. Mas é a realidade.
    Engraçado como fica o jogo de empurra entre os responsáveis, nessa situação que fica difícil dizer que é brasileiro. Quando tem essa lerdeza para resolver na justiça.
    Que culpa as famílias e os jovens que sobreviveram tem só porque foram se divertir, celebrar e muitos não voltaram para casa.
    Quero muito ler, beijos.

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  9. Tenho certeza de que não consigo fazer esta leitura - masé bom saber que é uma leitura fácil na questão do ritmo e da narrativa.
    Eu lembro das reportagens, da dor dos familiares e relembrar através do livro deve ser ainda mais impactante.
    Uma tragédia; fico sem palavras perante a questão jurídica.
    Eloá... Eu tinha 15/16 anos na época, fiquei em frente a tv acompanhando, rezando; senti como se fosse uma amiga minha.
    E Isabella se tornou um anjo.
    Essas tragédias/atrocidades mexem demais comigo.
    Que todos estejam em paz...

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  10. Lembro como se fosse ontem dessa tragédia :'( Foi muito triste acompanhar tudo o que aconteceu, e mais triste ainda saber que, depois de tantos anos, a justiça ainda não foi feita. Esse é um livro que eu choraria demais lendo :(

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  11. Lamentável, sim me lembro deste episódio triste e que dá realmente um frio na espinha e na resenha você disse uma coisa crucial a cobiça que leva a muitos a neglicenciarem a vida alheia de forma tão brutal, depois de toda a tragédia li alguns relatos de sobreviventes que me chocaram na época e relembrando me chocam hoje, infelizmente temos uma justiça extremamente falha, espero que neste tempo de reclusão comecemos a perceber o valor da vida, e desejo muita paz e luz (e claro, justiça as famílias e seus mortos). Assim como o comentário da IgriD é um livro extremamente necessário, mas não vi tanta divulgação dele, mas vou adicionar nas minhas redes, obrigada pela resenha foi bem objetiva!
    Bjs!

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  12. impossivel esquecer dessa tragedia e do quanto fiquei abalada com a morte de tantos jovens
    foi doloroso ver tantas vidas sendo dizimadas daquele jeito
    fico pensando nos pais daqueles jovens e de como hoje eles estão vivendo
    é triste ver o quanto a justiça de nosso país é lenta

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  13. Oi Ana! Eu tenho MUITA curiosidade de ler esse livro, tanto por saber que a Daniela Arbex fez um excelente trabalho, quanto para poder conhecer um pouco mais dessa história. Mas confesso que sempre que essas coisas acontecem acabam me abalando demais e ficam na minha mente por muito, muito tempo. Mas uma hora ou outra vou ler esse livro.
    Os Delírios Literários de Lex

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  14. Ai gente, não teria coragem de ler esse livro. Lembro da tragedia e de como tudo foi tão horrível de ver passando na televisão. A história é horrível. Pessoas que foram se divertir e nunca mais voltaram pra casa. Ver o lado humano, as histórias de alguns deles, família, o caso, me deixa triste só de pensar. Tem coisas que é melhor nem saber muito. Lembro de como foi triste acompanhar na tv e imaginar o que aconteceu com quem saiu de lá, as consequências, como tudo ficou depois...é difícil. Não é uma leitura que faria tão fácil.

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  15. Olá!
    Não tinha conhecimento do livro, mas ao ler a resenha fiquei bastante interessada. O que o livro aborda com certeza é delicada e complicado e claro, que dificilmente seria fazer uma resenha dele. Essas tragedia que aconteceu ainda guarda cicatrizes.

    Meu blog:
    Tempos Literários

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  16. Esses casos que você citou também são situações que me lembro claramente dos acontecidos, infelizmente. Imagino o quão difícil seja a leitura de Todo dia a Mesma Noite que, inclusive, está na minha lista faz um tempo, mas ainda não criei coragem pra ler. Deve ser terrível ler tanta coisa sobre um acontecimento tão marcante. Um caso "antigo", mas tão recente.

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  17. Oi, Ana
    Gostei muito da sua resenha e já faz um tempo que quero ler esse livro. Mas confesso que não tenho coragem. Pois só de ler sua resenha fico muito nervosa e angustiada com essa tragédia. É horrível saber que a justiça ainda não foi feita.
    Bjs

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