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9 de julho de 2020

O Jardim Secreto | Frances Hodgson Burnett


O Jardim Secreto é um clássico da literatura inglesa, escrito por Frances Hodgson Burnett, a mesma autora de A Princesinha. Foi publicado em 1911, e desde então vem fazendo sucesso. Ganhou, inclusive, algumas adaptações cinematográficas, incluindo a de 1993, vencedora do prêmio Bafta, e vai rolar um remake esse ano, pelo que eu andei pesquisando! É realmente uma história encantadora sobre como uma criança descobre os pequenos prazeres da vida, mas com algumas falhas bem difíceis de engolir.

Mary Lennox é nossa personagem central, descrita como uma menininha amarga e rabugenta, além de muito mimada e mal educada. Ela é realmente isso tudo e um pouco mais; inclusive é muito difícil se imaginar gostando dela em algum momento. Mary nasceu e cresceu na Índia, mas nunca teve a companhia dos pais ou de qualquer outra criança. Quando tinha dez anos, uma epidemia de cólera toma o castelo onde vive, matando várias pessoas, inclusive seus pais. Por causa disso, é levada para viver em Yorkshire, onde tem um tio (tão amargo quanto ela), sr. Craven, que se torna seu tutor.  

Gente, Mary é insuportável, mas insuportável de uma forma que eu não consigo explicar. Ela é 100% acostumada com todo mundo fazendo as coisas por ela, tanto que, no início, não consegue vestir as próprias roupas e trata todo mundo com desdém. Não fosse Martha, uma das criadas do sr. Craven, essa menina estava perdidinha. Além de ser muito paciente, consegue fazer com que ela comece a brincar ao ar livre, e não fosse isso, nunca descobriria o Jardim Secreto. O jardim tem esse nome porque o sr. Craven proibiu qualquer pessoa de entrar lá dentro por causa de algo muito triste que aconteceu em sua vida há mais ou menos dez anos — sim, o lugar fica trancado por todo esse tempo.

Existem outros personagens muito importantes, como Colin Craven, que só aparece na história quando ela já está bem adiantada. Não é necessariamente um spoiler, mas o garoto é mantido escondido no quarto porque todo mundo acha que ele vai morrer logo — engraçado porque todo mundo acredita nisso há dez anos e, no entanto, o menino segue vivinho da Silva. Gente, a Mary do início do livro é um anjinho perto desse menino. Mesmo com a melhora na personalidade dele no decorrer das páginas, não consegui gostar dele, principalmente porque ele se acha o dono do mundo e faz birra por qualquer coisa. Todas as suas vontades são feitas sem nem questionamento, e ele trata as pessoas que fazem TUDO por ele como se fossem lixo. Não tive paciência NENHUMA. O problema maior que a autora tenta justificar esse comportamento mesquinho dele com sua "doença" que nem existe de verdade. Enfim. 

O egoísmo de Colin é o menor dos problemas em O Jardim Secreto. Claro que fiquei contente por duas crianças passarem a viver como crianças, brincando, se divertindo e, acima de tudo, mudando o comportamento horrível aos pouquinhos, mas não consigo fechar os olhos para as diversas passagens racistas e com preconceito de classe. Só para vocês terem uma breve ideia, selecionei alguns trechos que me deixaram muito incomodada:

"É, deve ser diferente mesmo", disse, num tom quase compreensivo. "Deve de ser por causa que tem tantos pretos lá, em vez de pessoas brancas respeitáveis".
[...]
"Eu não tenho nada contra os pretos não, viu? [...] Eu nunca vi uma pessoa preta na vida e estava contente achando que ia ver uma de perto."

"Mesmo que não seja Mágica de verdade, nós podemos fazer de conta que é. Alguma coisa tem lá. Alguma coisa tem!"
"É Mágica", disse Mary. "Mas não é magia negra. É uma magia branca como a neve."

Eu com certeza entendo que estamos falando de uma história que se passa em um século diferente e que, infelizmente, isso faz parte do contexto histórico da época... Mas eu simplesmente não consigo ignorar esse tipo de coisa, principalmente porque, nesse caso, é a essência da própria autora. É muito diferente quando um autor escreve sobre racismo para nos mostrar essa luta diária, para usar seu texto como forma de protesto e combate ao problema. E sobre o preconceito de classe, a história coloca o pobre como inferior o tempo inteiro, tratando-os como caipiras e afirmando que não tem nenhum intelecto. É muito triste, sabe? Fiquei muito chateada, principalmente porque é uma história com um bom desenvolvimento.

Apesar de tudo ser narrado sob o ponto de vista de Mary, acredito que o personagem principal desse livro é o próprio jardim, afinal, tudo acontece por causa dele. O ponto principal aqui, acredito eu, é mostrar o milagre que acontece com as crianças, que praticamente nascem de novo ao conquistar uma felicidade que nunca tiveram, ou seja, o jardim representa um recomeço.

Então, sim, O Jardim Secreto passa uma mensagem muito bonita sobre mudanças e a narrativa é tão fluida e gostosa que não é difícil aceitar o sucesso que faz até hoje. Mesmo deixando a desejar nos aspectos que citei anteriormente, não posso falar que odiei o livro com todas as minhas forças, pois estaria mentindo. Não acho que temos que ignorar acontecimentos que refletem em nossa sociedade racista até hoje, expor essas passagens faz parte da nossa caminhada como leitores, mas aprendi tanta coisa e a autora escreve com tanta tranquilidade que realmente não consegui odiar.

Ah, só mais uma informação para quem quiser adquirir a versão publicada pela Penguin Companhia: deixem para ler a introdução, escrita por Alison Lurie, depois de terminarem a leitura. Como é um pequeno estudo da história, há muitos spoilers, informações detalhadas e interpretações, o que, na minha opinião, pode comprometer sua própria análise sobre o texto.

Título Original: The Secret Garden ✦ Autora: Frances Hodgson Burnett
Páginas: 344 ✦ Tradução: Sonia Moreira ✦ Editora: Penguin Companhia

24 comentários :

  1. Caramba, que complexo hein! Aí a gente acha que a resenha vai ser bonitinha, falar de crianças amarguradas que se tornam melhores, aí vai lá e PAH! Achei muito interessante esses questionamentos que você fez; na verdade, existe uma linha, como você disse... isso de levantar uma questão, mas para tentar mudar algo, e outra que simplesmente você escreve sem nenhuma responsabilidade. Basta saber até que ponto esse livro cruzou a linha ou não. Quando os livros se passam em outra época, aí sim fica mais difícil. Leio muito romance de época, e o papel da mulher me incomoda muito, mas até entendo que isso era assim naqueles anos. Mas que bom que você gostou no final de tudo!
    Abraços

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    1. Eu sempre tento entender o contexto do livro, ou a época que o livro foi escrito... Mas mesmo assim esse tipo de comportamento me deixa triste. Mas tipo, eu esperava o quê de um livro escrito em 1911, né?

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  2. Ana!
    Já tive oportunidade de ler o livro e de assistir o filme também.
    Concordo com seu ponto de vista e até entendo sua indignação, porque a leitura nos faz questionar e debater sobre temas polêmicos, porém, não podemos esquecer a época em que tudo se passa e naquela época, era assim mesmo.
    cheirinhos
    Rudy

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  3. Há muito tempo assisti a uma adaptação de O Jardim Secreto. Como era bem novinha achei um pouco chato.
    Mas fiquei interessada em ler. Tenho visto muitos edições lindas.
    Quanto às personagens serem um tanto quanto insuportáveis acho que diante do que viveram é plausível.
    Vou add o livro no Skoob

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  4. Olá...
    Sempre fui muito curiosa pra ler esse livro, mas, em todas as resenhas que já li numa tinham falado que existiam esses preconceitos e, é claro, isso não é nem um pouco legal.
    Com exceção dessas ressalvas que você levantou, acho sim que talvez seja uma leitura que venha a me agradar nem que seja um pouquinho, pois, amo histórias com jardins em destaque.
    Beijos

    http://coisasdediane.blogspot.com/

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  5. Eu ainda não li a obra, mas em contrapartida, vi a adaptação bem antiga e na época gostei demais. Hoje se ver, talvez tenha mudado a opinião, afinal, a gente vai evoluindo muito com o decorrer das leituras.
    Eram outros tempos, outros valores, outras criações,então é natural esse incômodo, esse nó na garganta!
    Se quero ler? Muito!Se pretendo rever a obra? Sim!!!
    beijo

    Angela Cunha Gabriel/Rubro Rosa/O Vazio na Flor

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  6. Olá Ana Clara!
    Com personagens tão mimados e mesquinhos, já imaginava que a trama ia girar em torno dos ricos e fazer pouco caso dos pobres mesmo, o que é uma coisa horrível, assim como o racismo. Mesmo considerando o contesto histórico, não podemos ignorar esses fatores, como você bem frisou, compreender e debater sobre as suas consequências atuais sim, fechar os olhos e acha normal nem pensar. Fico só imaginando a "selva" que deve ser estar esse jardim depois de 10 anos de negligência haha, confesso que em termos de segurança acho que uma criança não deveria brincar num local como esse, mas em se tratando de ficção tudo pode acontecer, né? Obrigada pela dica da introdução.
    Beijos

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    1. Sim, mas infelizmente naquela época era assim mesmo né? Infelizmente... Se hoje o pobre não tem vez, imagina no século passado.

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  7. Gostei bastante da mensagem que o autor deseja passar com a história, construindo toda uma narrativa e desenvolvendo personagens com um propósito final. Entretanto, não sei se conseguiria passar tantas páginas suportando a Mary e o Colin sendo extremamente chatos. Além disso, existem outras diversas problemáticas do livro repleta de preconceitos.

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  8. Nossa... Eu assisti o filme tem um bom tempo, então não me lembro das falas exatamente, me lembro mais da amizade.
    Já tinha adicionado a edição da Martin Claret na lista, mas saber dessas passagens racistas me desanima.
    Entendo que tem a ver com a época, infelizmente, mas está óbvio que Frances era racista. E isso já é um grande motivo para que eu não queira conhecer a escrita dela.

    Beijos

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  9. Todas as situações difíceis pelas quais os personagens passaram pode justificar os comportamentos horrorosos deles, mas, sinceramente, não tenho a menor paciência também, ainda mais sabendo que são preconceituosos. Parecia impossível aparecer personagem com pior personalidade quanto a Mary. Será que o fato do menino ficar trancado/acharem que ele vai morrer tem a ver com o acontecimento do jardim? Provavelmente, né? Assim como deve ter a ver com a mãe dele. Que bom que pelo menos no final o livro passa algo bom.
    Beijos

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  10. ola
    não sei se tenho paciencia para esse tipo de leitura ,parece que a autora força a barra na questão do racismo ,foi o que senti lendo a sua resenha ,posso estar enganada acho que tudo tem limites até em livros a gente percebe quando há exageros .
    quando voce descreveu a Mary como insuportavel até imaginei que ela não tinha culpa de ser táo mimada ,mas ai vem o garoto que consegue ser pior?
    bom pelo menos houve a tranformação ,porque ninguem merece tamanha arrogancia e orgulho
    entendo que o saldo final foi positivo mas náo sinto vontade de ler e passar raiva mesmo sabendo a epoca em que foi escrito .junte a isso o fato de ser um ser um livro infanto juvenil genero que não leio com frequencia

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    1. Oi Eliane! A questão do racismo nesse livro está diretamente ligado ao contexto histórico, não se preocupe! Naquela época era realmente assim, escrachado desse jeito mesmo. Não deixe de dar uma oportunidade, tá? <3

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  11. Por segundos eu pensei que fosse mais uma edição daquele livro de pintura hahah Apesar de ser tão premiado, confesso que eu ainda não o conhecia. Você pegou ranço mesmo da protagonista, né? hahah Ninguém merece uma personagem insuportável! Eu adorei a premissa e a mensagem que o livro deixa ao ser lido!

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  12. Adorei a sua resenha! Eu tenho um ranço imenso de personagens insuportáveis, não vou mentir. Mas confesso que essa é uma história que me desperta MUITA curiosidade! Aliás, que ideia doida é essa de colocarem spoilers logo na introdução da história? Oxe! Os Delírios Literários de Lex
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    1. Gente, eu não entendo. Sempre nesses clássicos a galera faz questão de trazer uma introdução escrachando o livro inteiro. Bota no final como posfácio, uai!

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  13. Depois de ler a resenha fui procurar ver o trailer do filme, mas não lembro se vi o filme ou não.
    É uma leitura difícil de suportar com personagens racistas, mas de um modo geral parece ser interessante.
    Vou adicionar na lista de desejos, beijos.

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  14. Olá! Esse é um clássico que certamente não faço muita questão de conferir, personagens difíceis esses hein, complicado esse processo de gostar de personagens tão complexos, talvez toda essa imperfeição seja o que nos fará refletir sobre o que o livro tem a nos dizer, ai ai ai Yukito, vou seguir nessa dúvida se dou ou não uma chance ao livro.

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  15. Tenho vontade de conhecer essa história por amar ler um clássico e ai que delicia odiar um personagem xD
    A menina é difícil hein! Mas amo? Amo. Falou que é insuportável lá vai eu com minha cestinha de marcadores correndo saltitante atras de um livro.
    Brincadeiras a parte, parece uma história que tem seus encantos mesmo com os defeitos. Eu ri da situação do tal Colin. Que ideia! Todo esse tempo e as pessoas seguirem com essa noção maluca de morte iminente. Mesmo que o riso não pareça durar muito com esse daí, mas vá lá. As mudanças e aprendizagens do livro me chamam atenção. Sei que iria gostar da leitura pelo que deixa e pelas birras com personagens também xD

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  16. Oii Ana!
    Então, eu não li o livro mas assistir ao filme e gosto demais da historia, apesar que as crianças tem atitude muito insuportáveis. Eu realmente ficava com raiva mas vemos pelo lado bom, a gente aprende com a historia e o desenvolvimento dela. Pretendo muito ler o livro!

    blog: Tempos Literários

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  17. Eu nunca li esse livro mas eu já vi adaptação cinematográfica que está disponível na Netflix eu achei muito amorzinho com certeza vou querer o livro

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  18. Oi, Ana
    Ai credo que crianças insuportáveis, meu Deus!
    E essas passagens racistas bem horríveis né.
    Olha eu já não tinha vontade de ler, agora menos ainda. Porque personagens chatos é uo, perco mais meu tempo não kkk
    Só queria saber porque esse jardim e proibido.
    Bjs

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    1. Oi Ana!
      Ah, não deixe de dar uma chance! Eu sei que é um pouco difícil a gente se interessar por um livro com certos pontos negativos, mas nunca se sabe o que podemos sentir quando pegarmos para ler!

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  19. Entendo perfeitamente que você tenha ficado chateada com as passagens racistas do livro, mas a DarkSide tem uma nota crítica no final.

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