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13 de dezembro de 2020

O Refúgio | Mick Kitson

Acho deveras interessante quando a gente termina um livro e não consegue avaliá-lo simplesmente porque os pontos positivos e negativos são extremamente equilibrados. Poucas leituras que fiz na vida me deixaram tão divida quanto O Refúgio, e vou tentar colocar em palavras o que eu senti aqui nessa resenha. Ah, justamente por isso vou soltar uns bons spoilers, então quem tiver interesse na história, é bom não passar do terceiro ou quarto parágrafo. 

Esse livro conta a história de Sal, uma menina de 13 anos com muitas responsabilidades. Além de ter que cuidar de si, é praticamente responsável por Peppa, sua irmã mais nova, já que mãe passa 70% do tempo bêbada — e os outros 30% derrubada por conta da bebida. Como se a ausência da mãe já não fosse difícil o suficiente, Sal é abusada sexualmente pelo padrasto desde os 10 anos de idade e entra em desespero só de pensar que a mesma coisa pode acontecer com Peppa. 

Sendo assim, Sal não vê outra alternativa: elas vão fugir de casa, juntas. A menina passa meses fazendo pesquisas na internet sobre como sobreviver na floresta e aproveita os cartões roubados do padrasto para comprar tudo o que elas vão precisar para ficar minimamente confortáveis. E assim, em um dia como qualquer outro, elas partem sem que ninguém veja, ninguém desconfie.

Bom... Não nego que o que me chamou atenção para essa história foi o enredo envolvendo o abuso sexual. Obviamente não é algo que eu goste, muito pelo contrário, mas é uma situação real, é algo que acontece o tempo inteiro e, na maioria das vezes, nem damos notícia. Então, na minha concepção, tramas como a de Mick Kitson podem funcionar muito bem como forma de identificação e denúncia. Porém, acho que o autor pecou bastante justamente na questão do realismo. 

Em primeiro lugar, e aqui vai o primeiro spoiler, Sal passa meses não só pensando em como fugir, mas também em como matar Robert, o pedófilo. E ela consegue, de forma bem bruta, inclusive. E apesar disso realmente acontecer muitas vezes, uma criança chegar a esse extremo de tristeza e desespero, fica difícil para mim imaginá-la cortando o pescoço de um homem adulto e não só isso, sabendo exatamente onde cortar só de ter feito pesquisas na internet. 

Da mesma forma, pra mim foi muito surreal ver duas meninas de 13 e 10 anos vivendo no meio da floresta sem praticamente nenhum empecilho. Por exemplo, Sal sabia praticamente tudo, desde ascender fogueiras sem auxílio de fogo a montar abrigos perfeitos impermeáveis; sabia como montar armadilhas para pegar coelhos e como atirar em pássaros, sabia como usar sua faca super afiada para tirar a pele de animais e como cozinhá-los sem dificuldade nenhuma. E como? Estudando pela internet. Gente, não tem condições... Não tem condições conseguir fazer perfeitamente tantas coisas só de ler, sem ter prática nenhuma, entendem? 

Em contrapartida, a narrativa de Kitson é tão boa, mas tão boa, que quase me fez acreditar que, realmente, uma criança de 13 anos consegue realizar essa ações. E convenhamos que essa característica não é para poucos. Pode parecer um pouco controverso e estranho, mas nem todos os autores conseguem ter o domínio tão perfeito sob sua criação. Essa característica, essa narrativa tão marcante e fluida, só demonstra muita técnica por parte do autor.

Então é basicamente isso. Não sei como me sinto em relação a O Refúgio, porque apesar de contar uma história importante, apesar de ter protagonistas e personagens secundários extremamente carismáticos e apesar da construção narrativa muito bem feita, o enredo não é crível. Apenas esperando algum de vocês ler esse livro para vir conversar comigo, pelo amor de Deus. Quem sabe assim eu possa entrar em um consenso comigo mesma. rs

Título Original: Sal ✦ Autora: Mick Kitson ✦ Páginas: 320
Tradução: Fabiana Colasanti ✦ Editora: Intrínseca
Livro recebido em parceria com a editora

13 comentários :

  1. Desde quando começaram a pipocar as resenhas deste livro na última semana, fiquei impressionada com o enredo. Duas crianças tendo que sobreviver a tudo isso e olha, não digo no lance do assassinato e nem da floresta,mas falo da família, do abuso. Só essa parte já seria suficiente para doer na alma.
    Mesmo com esses pontos em excesso, me deu muita vontade ler!!!
    Beijo

    Angela Cunha Gabriel/Rubro Rosa/O Vazio na flor

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    1. A parte do abuso é simplesmente muito real né miga... Não tem como contestar. Acontece o tempo todo, o que é muito triste. Então é ótimo livros que retratem isso. No final, acho que o autor fez um bom trabalho, porque falou muito sobre esperança, sabe?

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  2. As vezes a escrita do autor é tão boa, fluida e envolvente que até da pra deixar passar coisas como uma menina frágil fisicamente ser quase um McGuiver que pega duas folhas de bananeira e transforma em uma mansão.
    Enfim, a realidade fica a cargo da situação familiar de Sal, que infelizmente é bem recorrente

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  3. Ana!
    Bem, ainda não li o livro, mas acredito que mesmo com toda essa escrita realística e com a temática abuso sexual, que é bem presente nas famílias, temos de lembrar que o livro é uma ficção e por isso ela consegue tudo.
    cheirinhos
    Rudy

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    1. Oi Rudy!
      Ai, mas eu acredito que por mais que seja ficção, o autor tem que ser cuidadoso para criar cenários onde as coisas realmente poderiam acontecer, sabe? A não ser que seja um livro de fantasia, em que a licença poética é maior... Enfim!

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  4. O segundo e terceiro parágrafo me fizeram lembrar bastante o último livro que li, Sadie, é basicamente sobre isso também, fora os desaparecimentos e que a irmã foge para vingar a morte da outra. Gostei bastante, mas ao contrário de você, o que me incomodou foi justamente o realismo haha fiquei até o último segundo esperando um final feliz para a história. Entendo que nesse caso as habilidades da menina sejam inimagináveis mesmo, mas que bom que a narrativa do autor salvou o livro.
    Beijos

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  5. Olá! Pelo visto o autor abusou um pouco da licença poética hein, ainda assim o livro parece ter um enredo bem intenso, e o fato do autor ter uma escrita tão fluida acaba ajudando a enfrentarmos esses acontecimentos mais pesados como o abuso sexual, abandono e morte.

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  6. Uau! Bela resenha. Eu preciso muito ler esse livro, a sua resenha mexeu comigo. Quero conhecer a história dessas irmãs.

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  7. Ola
    Ainda náo tinha lido nada sobre esse livro .traz uma trama bem pesada mas que acontece na vida real infelizmente .
    Imagino a sua duvida em classificar o livro pois pela sua resenha ele traz umas cenas surreais .
    Mas por outro lado ele tem uma leitura fluida o que ja otimo

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  8. Tema pesado e o saber tudo pela internet é mais fácil falar que fazer. Achei meio...bom, não sei se leria assim nessa facilidade não. Não sei nem se pegaria pra ler sabendo da história. Crianças na floresta e o sobreviver chama atenção mas tem mesmo muito de fantasioso nessas soluções. Talvez a ideia de que conseguem fazer tudo isso, ate a coisa mais brutal lá, seja de certa forma...esperançoso? Conseguir sair de uma situação dessas, digo. Sei lá... Mas a realidade a gente pode imaginar. Parece um livro pesado demais. O tema já me entristece só de pensar.

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    1. Eu pensei demais nisso... Mais fácil falar do que fazer. 🤷🏼‍♀️
      De forma geral o autor trabalhou muito bem, só acho que ele tinha que ter sido mais cuidadoso com essa questão das crianças vivendo na floresta com a maior facilidade do mundo.

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  9. Oi, Ana
    Mesmo com os pontos positivos e negativos do livro, é uma leitura válida e necessária. Muitas crianças sofrem vários tipos de abuso e seu agressor sempre são os mais próximos, como parentes e agregados.
    Uma leitura forte, que envolve o leitor de muitas maneiras. Vai para a lista dos desejados.
    Beijos

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    1. Justamente! A leitura é muito válida sim! Um tema muito necessário e fico feliz que mais autores tenham decidido por expor essas situações!

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