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29 de novembro de 2025

Caminho para o Grito, de Jarid Arraes, e a capacidade que só os poemas têm de dizer o indizível


Caminho para o Grito foi meu primeiro contato com a escritora, cordelista e poeta Jarid Arraes. Na coletânea, a autora nos apresenta ao que tem sido descrito como sua obra mais pessoal e corajosa: um livro que aborda memórias de abuso sexual, pedofilia e explora as marcas duradouras desses traumas.

De cara, já me deparei com um texto que fala sobre o quão cotidiano é o estupro. Jarid inicia sua coletânea de poemas com um "não-poema", e justifica:

[...] eu poderia fazer
deste poema
uma denúncia
um manifesto
uma crônica
um campo aberto
mas minha amiga
foi estuprada ontem
minha amiga foi
estuprada
hoje
e nada mais
merece
verso

Jarid escreve com sutileza sobre coisas brutas. Com palavras bonitas, ela fala sobre coisas terríveis. E utiliza-se de sua escrita para falar sobre acontecimentos e sentimentos que são muito difíceis de abordar, "mas pelo menos finalmente estou falando disso".

O livro reúne quase 50 poemas, divididos em três partes, que acompanham as primeiras violências de sua infância às consequências em sua vida adulta. A leitura não é e nem pretende ser fácil. Afinal, os versos revelam imagens cruas que tornam palpável a violência e suas consequências.

As temáticas abordadas pela poeta são dolorosas, incômodas e, por vezes, perturbadoras. Tenho lido muita poesia escrita por mulheres e percebo que quase sempre elas relatam dores profundas, principalmente àquelas ligadas à violência de gênero. Não porque essas autoras gostam de abordar esses temas terríveis, mas porque a poesia oferece um espaço onde o que é traumático pode finalmente existir.

A linguagem poética permite dizer o indizível e transformar memórias brutais em ritmo, sem reduzir a experiência a uma transcrição fria, mas também sem transformá-la em espetáculo.

Desde que existe, a poesia tem sido um espaço onde a humanidade coloca aquilo que não cabe em nenhum outro lugar. Quando uma poeta escreve sobre violência, abuso ou trauma, ela cria um lugar onde a dor pode ser reorganizada, encarada de frente e, às vezes, compartilhada de modo a produzir sentido.

Quando algo é muito traumático, muito íntimo ou muito complexo, o discurso comum, lógico e linear parece não dar conta. Vocês já perceberam isso? Quanto mais complexa é a experiência, mais sentimos a necessidade de "poetizar". Isso acontece porque a poesia rompe com a rigidez do discurso

A poesia usa imagens e metáforas para expressar o que é quase inexpressável. Por isso ela se encaixa tão bem em temas dolorosos: ela não precisa explicar, ela pode mostrar e/ou sugerir.

Meu primeiro contato com Jarid foi certamente memorável. Seus poemas me entristeceram e enraiveceram. Apesar de o livro ter apenas 80 páginas, foi uma leitura densa e poderosa. Recomendo que sua leitura seja feita com cautela e cuidado.

Autora: Jarid Arraes ✦ Páginas: 80
Ilustrações: Gabee Brandão ✦ Editora: Alfaguara
Livro recebido em parceria com editora
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