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14 de julho de 2020

Fique Comigo | Ayòbámi Adébáyò


Recebi Fique Comigo, da autora nigeriana Ayòbámi Adébáyò, na edição da TAG Experiências Literárias, que é bem bonita, por sinal. Aqui, somos apresentados ao casal Yejide e Akin. O mais curioso é que já nas primeiras páginas sabemos que eles não estão mais juntos, o que deixa o leitor intrigado logo de cara: obviamente queremos saber o que deu errado na vida deles. A história mescla passado e presente, sob o ponto de vista dos dois personagens principais, costurando uma rede de acontecimentos que culminaram para o colapso do casamento. Antes de começar a falar de fato sobre o livro, gostaria de dizer que provavelmente essa resenha conterá vários spoilers, mas vários mesmo; se você deseja ler essa obra futuramente, não leia esse texto.

É muito difícil falar sobre Fique Comigo sem citar certos acontecimentos da trama para explicar o que acontece. De início vocês precisam saber que Yejide e Akin são casados há quatro anos e seriam muito felizes não fosse a falta de filhos. Não sei se vocês sabem, mas na Nigéria há uma crença muito forte de que um casamento não é completo sem filhos (não só na Nigéria, é claro, até aqui no Brasil muitas pessoas acreditam que uma vida a dois não é completa sem filhos). A cobrança vem de todos os lados, principalmente pela mãe de Akin, afinal, ele é o primogênito da família e ainda não conseguiu dar continuidade à sua linhagem. O fato de seu irmão mais novo já ter vários filhos piora muito a situação. A cobrança em cima de Yejide é diferente e ainda maior, já que uma mulher só é completa se for mãe:

— Você já viu Deus em uma sala de parto parindo um bebê? Diga-me, Yejide, já viu Deus na maternidade? As mulheres fabricam crianças, e se você não consegue fazer isso então não passa de um homem. Ninguém devia chamá-la de mulher.

De início, não sabemos exatamente o porquê de Yejide não conseguir engravidar, mas acompanhamos o seu sofrimento, a culpa que ela mesma sente, a culpa que depositam nela, e sofremos junto. As coisas pioram drasticamente quando insistem para que Akin adote um casamento poligâmico e se relacione com uma segunda mulher, que viria ser a sua segunda esposa. E, de fato, ele cede a pressão e se casa com Funmi, escolhida unicamente para parir o primogênito de Akin. Eis um dos primeiros tapas na cara que levamos: se um casal não consegue ter filhos, obviamente o problema é, e só pode ser, a mulher. É claro que se outra mulher fosse introduzida na história, o problema seria resolvido. Ninguém se importa com os sentimentos de Yejide ou se ela realmente quer se tornar mãe. 

E, de fato, o maior desejo de Yejide é ser mãe. Não consegui identificar exatamente se essa vontade parte realmente dela ou se é um reflexo da cobrança da família e da sociedade, mas ela deseja tanto ser mãe que passa por um período conturbado de gravidez psicológica — se ela ficasse grávida primeiro, Akin poderia se livrar de Funmi. É importante ressaltar que Yejide não concorda com a poligamia, algo que ela deixou claro desde o início de seu relacionamento. No meio desse contexto da falsa gravidez e da traição do marido, várias coisas obscuras acontecem e nossa protagonista realmente fica grávida enquanto Funmi permanece "vazia"

Apesar de ser uma notícia que traz alegria, se engana quem acha que o sofrimento de Yejide acaba por aí. Agora, mais do que nunca, o papel da protagonista é ser uma mãe perfeita, aquela que vive em função dos filhos e não deixa nada de mal acontecer com eles. Já sentia que Fique Comigo seria um dos livros mais triste que li na vida, mas eu não estava preparada verdadeiramente para o que aconteceu em seguida: a bebezinha morre antes de completar seis meses de vida, e não existe uma resposta para essa partida repentina. A pista surge pouco tempo depois, quando Yejide perde seu segundo filho para uma doença hereditária chamada anemia falciforme.

Uma mãe deve estar vigilante. [...] Uma mãe não pode ter a visão embaçada. Deve notar se o lamento de seu bebê é muito alto ou muito baixo. Deve saber se a temperatura da criança aumentou ou caiu. Uma mãe não pode deixar passar nenhum sinal. Ainda tenho certeza de que deixei passar sinais importantes. 

Além de estar sofrendo muito em seu casamento, Yejide ainda tem que lidar com a culpa de perder os filhos tão precocemente. No meio disso tudo, a mãe de Akin passa a acreditar que a nora foi destinada a ter filhos abiku, crianças que, no mundo espiritual, escolhem ter uma passagem curta pela Terra. Aos poucos vamos desvendando os mistérios por trás da doença e detalhes das circunstâncias que levaram Yejide a engravidar. Eu fiquei particularmente chocada, principalmente porque é nítido que Akin escolheu deixar a mulher sofrer sozinha!

Não acho que Fique Comigo seja um livro exclusivamente sobre maternidade ou o papel da mulher no contexto social inserido pela autora. Vai muito além disso. Acho que retrata bem mais a delicadeza das relações humanas. Acima disso, acredito que o foco desse livro são as perdas, como lidar com elas e como elas afetam nosso futuro, nossas decisões.

Título Original: Stay With Me Autora: Ayòbámi Adébáyò ✦ Páginas: 256
Tradução: Marina Vargas  ✦ Editora: Harper Collins & TAG Experiências Literárias

22 comentários :

  1. Existem alguns livros que eu não me importo de ler spoilers, então continuei a leitura da sua resenha, porque fiquei imensamente curiosa sobre essa história. A gente geralmente espera os finais felizes, então um livro começar sabendo que não vai ter isso, pelo menos com o casal principal, já aguça a anteninha aqui né?!
    Fiquei triste com esse primeiro quote, caramba, que pesado! Imagina ser cobrada a ponto de duvidarem da sua feminilidade por não ter filhos, que complicado. Imagino que esse livro é triste, pesado por diversas coisas, mas que vale a pena ser lido. Obrigada pela resenha, até mais!

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  2. Já adicionei esse livro na lista.
    Gostei de conhecer sua opinião sobre esse livro, e gostei ainda mais de saber que a leitura vai além do que aparenta.
    É um enredo interessante e que me chama a atenção. Espero ler em breve.

    Beijos

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  3. Ana!
    Bom ver que o livro traz como são os relacionamentos humanos (em outra cultura) e que trata sobre perdas, mesmo que haja todo drama familiar para se ter um filho.
    Sei bem como é essa cobrança, porque sempre tive problemas uterinos e nunca pude ter filhos biológicos e apesar de querer ser mãe, pude ser mãe de outra forma, o que me realizou como pessoa.
    cheirinhos
    Rudy

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    1. Sofri demais com esse livro, Rudy. Mas foi uma experiência muito boa!
      Sinto muito pelas suas complicações, mas fico feliz por saber que encontrou a maternidade de outra forma. O meu sonho é ser mãe, sabia?

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  4. ola nossa deve ser uma leitura bem emocionante
    quantas mulheres carregavam dentro de si o desejo de ser mãe e tem tambem essa questáo que exercem sobre elas ,sobre ter filhos ,sem se preocupar se elas realmente querem ser mães

    e como essa protagonista sofre heim? depois de tanto tentar e ser mãe ,ela perde o seu bebe ... mas como voce escreveu que o livro vai alem da questão da maternidade e que o livro engloba outras questoes ,eu desejo ler sim

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  5. Oi Ana!!!
    Li Fique Comigo no projeto #LeiaMais2020
    Confesso que se não fosse pelo projeto talvez não tivesse me interessado pelo livro. Por fugir do que curto ler.
    E teria perdido a leitura de um livro tocante, que como você disse muito bem, fala das relações humanas, de família. Além de nos mostrar um pouco sobre a cultura nigeriana

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  6. Olá...
    Ainda não conhecia esse livro, mas, através de sua resenha pude perceber que é uma leitura bem densa. Acho muito interessante ler livros sobre relações humanas e tudo mais, logo, vou deixar anotado aqui nos desejados ;)
    Bjo

    http://coisasdediane.blogspot.com/

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  7. Ai gente...já fiquei lendo a resenha e sentindo a dor que há nesse livro. Ainda não tinha visto ou lido nada sobre ele, mas puxa, que dor dessa mulher. Seja pelo desejo da maternidade, as cobranças, o casamento desfeito, a perda, o luto. Putz...e eu achando que minha vida era complicada.
    Com certeza, já preciso desse livro. Fiquei emocionada e tocada com a história do casal.
    Beijo

    Angela Cunha Gabriel/Rubro Rosa/O Vazio na flor

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    1. Nossa miga, você num tem ideia. Eu lembro e fico triste. Mas é um livro bonito, que faz a gente pensar bastante. Espero que goste! <3

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  8. Não sabia dessa curiosidade sobre os filhos serem tão importantes na Nigéria, apesar de ser realmente um pensamento comum em vários lugares. É tão triste acompanhar histórias assim, não é difícil achar séries ou livros que abordam o casamento destruído após uma perda ou a falha na tentativa de engravidar. Não sei nem o que comentar sobre isso, só sei que é uma situação extremamente delicada, seja pela pressão, seja por não se conseguir realizar a própria vontade. Já não gostei desse Akin e da família dele, nossa, que raiva!
    Beijos

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  9. Olá Ana Clara!
    Que resenha doída de ler, a cada nova informação eu ficava mais triste por Yejide. Realmente algumas culturas tem crenças que são muito chocantes pra gente de fora, a gente se indigna com isso, algo que causa tanto sofrimento às pessoas. Acho que o desejo de maternidade da protagonista provém da pressão familiar e do marido. Fico muito brava com essa visão das mulheres como meras parideiras, esse primeiro quote foi muito chocante.
    Beijos

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  10. Eu nunca tinha visto essa capa, meu deus que lindeza! Não li a resenha, mas salvei pra ler assim que pegar esse livro. Há muito tempo estou interessado em Fique Comigo, devido aos vários elogios que vi sendo direcionados à escrita da Ayòbámi Adébáyò. A curiosidade que o livro nos deixa logo de inicio sobre os rumos do casal me permeia desde que soube.

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  11. Ana, eu nem li a resenha toda porque realmente fiquei logo interessada pela leitura pelo que você falou no primeiro paragrafo, então como eu odeio spoiler, pulei o restante hahahah Mas o livro parece muito bom e achei a edição bem bonita pela capa! Os Delírios Literários de Lex
    Participe do Top Comentarista de Julho ♥

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  12. Olá! Já percebi que viu precisar de alguns (muitos) lencinhos durante a leitura, que história triste a da Yejide, ter que lidar com a pressão da sociedade, família, traição do marido e ainda a perda dos filhos (#chocada), ela deve ser uma personagem extremamente forte hein.

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    1. Mulheres por natureza são muito fortes, né? Mas eu fico pensando as mulheres desses locais cuja cultura tem um peso tão grade sobre a vida delas...

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  13. Ok. Horrível. Sério, se pego um livro desses pra ler assim sem aviso acho que tenho um troço. Nossa mas que história tensa. Só coisa ruim. Isso da maternidade já nem é lá minha praia, ainda tem tudo isso do casamento e...aai credo, não. Sei que tem uma coisa toda de cultura aí no meio, mas nem consigo começar a dizer a raiva que senti só de imaginar a situação, pressão familiar e tudo mais no meio disso. É sofrimento que não para. Pesado. Não, passo.

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  14. Eu adorei esse livro mas a injeção que eu tenho é da capa laranja com pássaros e eu curti bastante a História porque estava no projeto de ler mais autores de outras nacionalidades e foi uma grata surpresa conhecer a autora

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    1. Essa edição também é linda! As duas são, né?
      Acho muito importante a gente conhecer livros de autores que não sejam só americanos! Muito legal esse projeto!

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  15. Olá Ana!
    Fiquei bastante intrigada com esse livro, por mais que eu saiba de algumas coisas dele fiquei mesmo assim curiosa pelo desfecho da trama. Difícil estar em um relacionamento onde as pessoas fica ali te cobrando por tudo sabe, trabalho, casa, marido, filhos e etc. Isso ainda permanece na sociedade. Gostei que o livro retratou disso um pouco. Como disse, já quero ler!

    blog: Tempos Literários

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  16. Ao ler sua resenha, eu já fiquei um pouco angustiado, imagina se eu ler o livro?! Achei bastante interessante o fato de que ninguém espera esse tipo de história ao ver a capa do livro. Com certeza esse é um dos livros que eu sei que vou amar antes mesmo de ler, pois uma história que abrange diversos temas combinado com personagens cativantes, o resultado de uma boa história é certo!

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  17. Oi, Ana
    Esse livro não me lembro se li no final de 2018 ou começo de 2019, mas durante um certo tempo pensava nessa leitura.
    Como os personagens são pressionados pela família e cultura do país, tenho asco da sogra de Yejide até hoje por comparar ela com um homem por não gerar filhos. E ainda obrigar Akin ter segunda esposa.
    É uma leitura fascinante e dolorosa, mas que agrega muito na construção do leitor, leva a pensar.
    Beijos

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  18. Oi, Ana
    Nossa, misericórdia, que livro triste!
    Acho importante ler sobre outras culturas, mas esse não vou querer ler não. Que história tensa!
    Como a Yejide sofre!!

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