29 de maio de 2018
O Livro do Bem — Gratidão | Ariane Freitas & Jessica Grecco
5 de maio de 2022
Hamnet | Maggie O'Farrell
Apesar de ser considerado um dos maiores autores e dramaturgos de todos os tempos, pouco se sabe a respeito da vida de William Shakespeare. Nascido em 1564, o poeta escreveu algumas das histórias mais conhecidas e amadas do mundo, como Romeu e Julieta, A Tempestade, Rei Lear, Macbeth, Sonho de uma Noite de Verão e Hamlet. Este último, parece ter sido inspirado em seu filho, Hamnet, que dá nome ao romance de Maggie O'Farrell, vencedor do Women's Fiction Award no Reino Unido e eleito um dos melhores livros de 2020. No Brasil, a obra foi lançada em 2021, tendo sido publicada primeiramente pelo Clube Intrínsecos.
O'Farrell preenche as lacunas na história de Shakespeare e se concentra em um dos episódios mais tristes da vida dessa família: a morte prematura de Hamnet, filho de Shakespeare e Agnes, irmão gêmeo de Judith e irmão mais novo de Susanna. Como a morte do filho pode ter influenciado Shakespeare? Como esse acontecimento trágico atingiu Agnes?
Num primeiro momento, o que mais me surpreendeu nesse livro foi a narrativa de Maggie O'Farrell, que consegue a proeza de ser poética e fluida ao mesmo tempo, profunda e rápida. As primeiras páginas ja conseguem prender o leitor pela ambientação e apresentação dos personagens. Quando Agnes é apresentada é impossível não se apaixonar por ela. Olhem que lindamente triste é esse trecho:
Ela cresce se sentindo errada, inadequada, morena demais, alta demais, demasiado indomável, demasiado obstinada, calada demais, esquisita demais. Cresce com a consciência de ser meramente tolerada, irritante, inútil, de não merecer amor, de precisar mudar de forma drástica, subjugar sua natureza, a fim de conseguir se casar. Cresce também com a lembrança do que significa ser amada de verdade, pelo que se é e não pelo que se deveria ser.
Agnes é forte, selvagem e sábia, mas sabe que essas características não eram as mais desejadas e admiradas em uma mulher. Esse livro é muito mais sobre Agnes do que sobre Shakespeare. Na verdade, o autor não é nominalmente citado nenhuma vez ao longo de todo o livro. As referências a ele são como "o pai", "o marido", "o filho" e assim por diante. E isso é incrível, pois demonstra que essa história não se apoia unicamente na fama do dramaturgo, pois realmente tem muito mais a oferecer.
O primeiro capítulo do livro mostra Hamnet procurando um adulto pela casa, pois sua irmã gêmea, Judith, não esta se sentindo bem. O tema que será pano de fundo para essa história já dá os primeiros sinais aqui: a peste bubônica. Tema este que, por si só, já é assustador. A atmosfera de tensão do livro é muito bem trabalhada através do medo das pessoas. Afinal, estar com a peste ou ver alguém que você ama com a doença era um verdadeiro pesadelo.
No segundo capítulo, voltamos alguns anos e acompanhamos Shakespeare e Agnes se conhecendo, enquanto somos apresentados aos pais e familiares de ambos também. E assim o livro segue, alternando capítulos que mostram o início do relacionamento dos pais de Hamnet e a vida do garoto já aos 10/11 anos de idade.
O leitor já sabe que o garoto que dá nome ao livro irá morrer, mas o livro demora para chegar nesse acontecimento. A princípio, isso me incomodou, mas depois eu entendi que a intenção da autora é fazer com que o leitor se afeiçoe a esse personagem, o veja nascer, crescer e se tornar o menino doce e amoroso que aparece no primeiro capítulo. Acompanhamos não apenas a vida de Hamnet, mas também o que a precede: o amor entre seus pais, as dificuldades enfrentadas por eles, as excentricidades de Agnes, a determinação de Shakespeare e o amor incondicional que eles sentem pelos filhos.
Todos os personagens desse livro são muito bem construídos, complexos e reais, mas preciso dizer que a Agnes e o Hamnet ganharam meu coração. Agnes com seus dons (que vocês só vão descobrir se lerem o livro) e Hamnet com sua delicadeza. Esse livro transborda amor em todos os momentos. E como é duro ver pessoas que se amam tanto perdendo umas às outras. O capítulo que narra a morte de Hamnet é de arrepiar. E a dor de Agnes é tão forte que deixou meu coração apertado.
Tentaria de tudo, faria de tudo. Abriria as próprias veias, rasgaram o próprio corpo e daria ao filho seu sangue, seu coração, seus órgãos, se de alguma coisa adiantasse.
O romance é dividido em duas partes e é a morte de Hamnet que marca essa divisão. A partir desse ponto, o livro passa a ser sobre luto, sobre perder um filho, um irmão, um sobrinho, um neto, sobre enterrar uma criança. E, gente, que difícil. Eu, que nunca pensei em ter filho, me peguei sentindo a dor da Agnes pela injustiça daquela situação, porque uma mãe jamais deveria ter de velar o corpo inerte de um filho.
O livro também é sobre o poder da arte. Poder capaz de trazer os mortos de volta, capaz de ressignificar tragédias e acalmar sofrimentos. Shakespeare lidou com a morte do filho do único jeito que sabia lidar com qualquer outra coisa: transformando em arte. Mas não apenas isso. Afinal, o livro explora diferentes formas de viver o luto. Cada pessoa encara esse momento de uma forma e O'Farrell soube explorar isso muito bem.
A edição da Intrínseca é um dos livros mais lindos da minha estante. A capa é lindíssima e tem uma textura diferente, áspera, como um tecido. As letras e margens grandes tornam o livro gostoso de ler. Amei que a fonte das letras é diferente. Eu nunca tinha lido um livro com essa fonte. Infelizmente, eu encontrei vários erros ao longo do livro, desde palavras escritas erradas até palavras faltando. Mas nada que prejudique a leitura e nada que não possa ser resolvido com uma revisão mais cuidadosa.
Recomendo demais esse livro. É bem o meu tipo de livro, que transborda sentimento e mexe com o leitor. Impossível fazer essa leitura e não sentir nada. Se você também ama leituras que mexem com a alma e o coração, você vai amar Hamnet.
Livro recebido em parceria com a editora
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29 de junho de 2018
TAG dos 50% — 2018
27 de janeiro de 2020
O Amante de Lady Chatterley | D. H. Lawrence
Como vocês podem perceber, há uma diferença clara entre a primeira e a segunda metade do livro. Pelo menos na minha experiência de leitura, eu senti que o livro melhorou muito na segunda metade, foi quando eu consegui entender os personagens e quando o livro se tornou realmente mais interessante. Então, sim, valeu insistir na leitura, mas, mesmo assim, não sei se valeu tanto.
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6 de julho de 2018
A Escola do Bem e do Mal + Um Mundo Sem Príncipes | Soman Chainani
23 de dezembro de 2022
Continência ao Amor: Livro vs. Filme
Título Original: Purple Hearts ✦ Autora: Tess Wakefield
5 de julho de 2020
TAG dos 50% — 2020
10. Um livro que te fez chorar nesse primeiro semestre
Nossa, mas chorei igual uma condenada em O Diário de Nisha. A história da personagem se passa durante a Partição da Índia em 1947. Nisha e o irmão gêmeo são filhos de um hindu com uma muçulmana, e ela não entende o porquê dessa tensão religiosa. Com a divisão da Índia em Paquistão e Índia, Nisha e a família se veem obrigados a abandonar o lar que tanto amam para continuarem seguros. Chorei muito primeiro porque Nisha escreve para a mãe que nunca conheceu no diário, e segundo porque o conflito em si é muito triste. Vale a pena ser lido, é realmente um livro muito bom.
11. Um livro que te deixou feliz nesse primeiro semestre
Euzinha + livros feministas com escrita acessível para crianças = felicidade na certa. O segundo volume da duologia Ousadas: Mulheres Que Só Fazem o Que Querem é tudo para mim. Em Ousadas #2 a autora e ilustradora Pénélope Bagieu nos apresenta mais personalidades incríveis que não mediram esforços para causar uma revolução.
12. Melhor adaptação cinematográfica de um livro que você assistiu até agora, em 2020
Sempre que chega nessa parte da tag eu fico horas pensando, porque não sou muito de assistir filmes. Aí coloquei a única adaptação cinematográfica que vi pela primeira vez em 2020 — e que foi lançada nesse ano também, né: Para Todos os Garotos: P.S. Ainda Amo Você . Mas por exemplo, eu reassisti várias adaptações, como O Senhor dos Anéis, por exemplo, mas já vi tantas vezes que não seria justo colocar aqui.
13. Sua resenha favorita desse primeiro semestre (escrita ou em vídeo)
Minha Sombria Vanessa foi um livro muito difícil, pois é uma narrativa sobre pedofilia pela visão da vítima. Muitos trechos foram difíceis de engolir, mas a escrita é muito boa e me rendeu uma resenha bem reflexiva. Espero que vocês tenham gostado dela tanto quanto eu.
14. O livro mais bonito que você comprou ou ganhou esse ano, até agora
Simplesmente apaixonada por essa edição de Coraline que a editora Intrínseca lançou recentemente, com capa dura, pintura trilateral roxinha — a coisa mais linda do mundo —, ilustrações muito maravilhosas de Chris Riddell e vários outros detalhes incríveis. Perfeita, sem defeitos.
15. Quais livros você precisa ou quer muito ler até o final do ano?
Eu tô sempre precisando ler pelo menos 2834392752837 livros até o fim do ano, mas em 2020 resolvi dar uma prioridade para livros esquecidos na minha estante:
O Mapa Que Me Leva Até Você, J.P. Monninger
4 de julho de 2022
A Sociedade de Atlas | Olivie Blake
Dark Academia é o novo queridinho dentre os gêneros literários. Assim como acontece na música e no cinema, o TikTok é responsável por esse hype. Com uma estética colegial sombria, cheia de tons terrosos e outonais e uma vibe culta, o Dark Academia vem conquistando os jovens leitores. E a estética é realmente linda: mocassim, tweed, xadrez, camisa social, boina, blazer, sobretudo e tudo que pareça vintage e aparente inteligência. Quando se trata de literatura, os livros Dark Academia se passam em ambientes acadêmicos e possuem uma atmosfera sombria e misteriosa, o que pode ser composto por enredos que envolvam investigações, assassinatos e magia.
Me interessei pelo gênero por gostar da estética. Pessoas introvertidas e que amam estudar certamente são as mais atraídas por essa sobriedade. Porém, na minha experiência, a estética prometeu muito e os livros entregaram pouco. Três leituras foram o suficiente para me mostrar que esse gênero não é pra mim.
Comecei com um livro que é considera um dos primeiros do gênero: A História Secreta. Depois, fui para um sucesso russo: Vita Nostra. E finalizo essa jornada com A Sociedade de Atlas, um grande hit do TikTok internacional e que chega ao Brasil pela editora Intrínseca. E eu preciso dizer: que edição belíssima. A editora se dedicou e entregou uma edição que dá gosto de ter na estante, ilustrada e lindamente diagramada.
Mas vamos lá: A Sociedade de Atlas é sobre uma sociedade secreta que seleciona, a cada 10 anos, 6 jovens adultos mágicos para competirem entre si pela permanência na Sociedade Alexandrina, que abriga o conhecimento perdido das grandes civilizações da Antiguidade. Dos 6 selecionados, 5 permanecerão.
Os competidores que iremos acompanhar ao longo do livro são: os físicos Libby e Nico, a naturalista Reina, a telepata Parisa, o empata e manipulador emocional Callum, e Tristan, que consegue ver através das ilusões. E é aqui que o problema começa: Todos os personagens são chatos, chatos mesmo. E não me entendam mal, porque eu adoro personagens controversos, defeituosos, ambíguos e maus. Mas os personagens desse livro são apenas chatos. E o pior: eles não sabem que são chatos. Eles se acham incríveis, mas são todos mesquinhos, prepotentes e hipócritas. Nota 0 em carisma e personalidade.
Os personagens não tem personalidade própria e voz própria. São todo iguais, com as mesmas ambições e a mesma falta de profundidade. Os primeiros capítulos do livro, que supostamente servem pra apresentar os personagens, são terrivelmente cansativos, porque não tem nada que diferencie os personagens. Parece que a autora copiou e colou os capítulos um depois do outro e só mudou algumas palavras. Além de chatos, os personagens são superficiais. Apesar de serem jovens adultos, todos com mais de 20 anos, os personagens se comportam como adolescentes antipáticos, se recusando a colaborar uns com os outros e reproduzindo o tempo todo o discurso de "Eu sou mais forte que você" e bla bla bla.
O sistema de magia é interessante e bem diferente de tudo que eu já li. Mas o livro demora muito pra mostrar essa magia acontecendo. Os personagens só ficam dizendo: "Eu sou muito poderoso. Eu sou mais forte que todo mundo. Minha magia é incrível". E eu tipo: "Ok, então me mostra".
E o livro é leeeeeento (o que parece ser um ponto em comem entre os livros Dark Academia). Nada acontece. É aquele livro que conta muito e mostra pouco. E, para piorar, está lotado de frases de efeito e reflexões óbvias ditas como se fossem grandes descobertas. Querem um exemplo? Um personagem pergunta o que eles estão comemorando e o outro responde: "Nossa mortalidade frágil. A inevitabilidade de nos reduzirmos a caos e poeira." Ai não, gente, sério?
Tem uma coisa (extremamente óbvia) que os personagens descobrem e o livro passa muitas e muitas e muitas páginas focado nesse fato óbvio, que nem é interessante, mostrando os personagens contando uns aos outros sobre isso e sempre tendo as mesmas reações ("não, não é possível"). Poderosos? Talvez. Mas inteligentes? Definitivamente não.
Os personagens passam boa parte do livro tentando convencer uns aos outros que eles não se importam com nada, que eles não ligam pra ninguém, que são super seguros, indiferentes, inabaláveis e exaustivamente presunçosos. Uma espécie de niilismo soturno exagerado e cansativo. Perdi a conta de quantas vezes eu revirei os olhos. Querem outro exemplo? Olha essa fala do personagem: "Eu? Eu nunca me desespero. Estou perpetuamente indiferente." Aiiiiii a vergonha alheia que eu sinto.
Reina foi a única personagem com quem eu consegui (um pouco, bem pouco mesmo) simpatizar. Apesar de ela ser egoísta e amargurada, a disputa de ego não é tão evidente da parte dela e eu gostei muito dos momentos em que as plantas se comunicavam com ela.
Mas, continuando: O homem que recruta esses jovens é Atlas. Fiquei curiosa e fui pesquisar um pouco mais sobre o Atlas da Mitologia Grega. Atlas (o da mitologia) desejava o poder supremo. Ele travou uma guerra contra os deuses em busca disso, mas foi derrotado e condenado a segurar o planeta nas costas. A busca pelo poder condiz bastante com o que o Atlas (do livro) e a Sociedade Alexandrina desejam e buscam. Inclusive, essa sociedade guarda e protege o conhecimento e acredita que ele não deve ser distribuído livremente. Essa questão de como eles lidam com o conhecimento é um debate bem interessante que o livro traz. O conhecimento deve ser distribuído livremente ou nem todos conseguem lidar com ele?
O livro também tem um toque bastante sexual em algumas passagens, o que foge totalmente do tom geral do livro, deixando esses momentos esdrúxulos e forçados. Eu senti que a autora queria provar como sua história era madura e adulta, mas a forma como os personagens se comportam o resto do tempo não convence o leitor disso.
Em alguns momentos, a sensação era de que o livro era tão ruim que chegava a ser bom. Eu lia porque achava engraçado e tosco. Mas depois, pasmem: até que começou a ficar bom mesmo. Lá pela metade do livro, algumas coisas realmente começam a acontecer, os personagens finalmente começam a usar e mostrar seus poderes e mistérios são inseridos na trama. Não que o livro fique ótimo, mas melhora. A maior parte do livro é composta por diálogos. Eita povo que conversa. Eles parecem estar no caminho para algo, mas é difícil entender e acompanhar porque, como ninguém confia em ninguém, eles não conseguem se comunicar abertamente e com sinceridade. Esses diálogos são, em sua maioria, sobre quem deve ser o eliminado entre eles.
Enquanto isso, alguns deles lidam com problemas particulares. Dos dilemas particulares dos personagens, o que mais me interessou foi a questão envolvendo Gideon, amigo não humano de Nico.
Enfim, posso dizer que minha experiência de leitura foi mais negativa do que positiva. O livro é prepotente, os personagens beiram o insuportável e os debates que o livro propõe, apesar de serem interessantes, não compensam todo o resto. Acho que essa história pode funcionar melhor com os mais jovens (o que explica seu sucesso no TikTok).
13 de agosto de 2022
A Guerra da Papoula | R. F. Kuang
Se você acompanha o universo dos livros de fantasia, você provavelmente já ouviu falar em The Poppy War. A Guerra da Papoula é o primeiro volume de uma trilogia que se inspira na história militar da China. Kuang é uma grande estudiosa da China e, atualmente, está fazendo seu doutorado em Literatura e Línguas do Oeste da Ásia pela Universidade de Yale. O livro marca a estreia da autora e é um excelente indicativo de seu talento para a escrita e a criação de universos fantásticos bem construídos.
Nossa protagonista é Rin, uma órfã da Segunda Guerra da Papoula que vive com uma família adotiva em um vilarejo humilde. A família de Rin não guarda nenhum afeto por ela e, quando ela completa 14 anos de idade, eles lhe arranjam um casamento com um homem muito mais velho. Rin se recusa a aceitar esse destino e decide entrar na Academia Militar de Sinegard, a instituição mais prestigiosa do Império, cujo ingresso é quase impossível de tão difícil. Mas é a única alternativa que Rin possui.
Assim começa a história contada nesse primeiro volume da trilogia. É difícil falar sobre esse livro porque ele parece vários livros em um. Não vou entrar em detalhes, mas posso dizer que todo o plot que envolve Rin tentando entrar em Sinegard dura algumas poucas páginas. Em seguida, o livro se torna quase um Dark Academia para, em seguida, mudar de novo e se tornar muito mais sombrio, pesado e doloroso, justificando os vários alertas de gatilho apontados no início do livro.
A tensão envolvendo a ameaça de uma Terceira Guerra da Papoula é palpável e, quando esse momento chega, a autora não economiza nas descrições das batalhas. Eu me senti assistindo algum filme ou série de guerra, tipo Game Of Thrones, com muitos detalhes gráficos, sangue, tortura, ferimentos, abusos e mortes grotescas. Posso dizer que é um dos livros mais pesados que eu já li, porque as descrições das atrocidades cometidas são detalhadas. Além de toda essa violência e sofrimento, a autora também debate o vício em drogas, mais especificamente no ópio, substancia encontrada na papoula.
Num primeiro momento, eu achei o livro bastante juvenil e até pensei que eu pudesse me decepcionar, mas faz sentido esse tom mais jovem, afinal, Rin é apenas uma adolescente no início da história. Porém, conforme Rin cresce e amadurece, o livro amadurece junto com ela, se tornando cada vez mais profundo. Alguns acontecimentos do primeiro 1/3 do livro são bem previsíveis e eu senti que a autora gastou tempo demais para chegar onde o leitor já sabia que ela chegaria. Pra mim, o livro começou a ficar ótimo a partir da página 159, quando entramos no capítulo 8. Mas isso é apenas uma percepção minha, pois sei que muitas pessoas amaram essa primeira parte do romance.
Tem alguns saltos temporais no livro que me frustraram um pouco, pois continham avanços que eu gostaria de ter visto mais detalhadamente. Por outro lado, tem capítulos que poderiam tranquilamente serem omitidos. Esses pequenos "defeitos" são realmente pequenos demais para diminuir a qualidade geral do livro. Mesmo assim, achei que mereciam ser mencionados.
Rin é o tipo de protagonista que a gente adora, com sede de poder e desejo de vingança. Isso é ótimo, porque não tem nada pior do que ler um livro grande com protagonista chato. Durante todo o livro, eu gostei de acompanhá-la. Apesar de nem sempre concordar com as escolhas dela, eu queria saber qual seria seu próximo passo, porque ela é ousada, curiosa e até um pouco imprudente. Terminei esse primeiro volume curiosa para saber onde essa personagem vai chegar e o que ela vai se tornar. Rin é imprevisível porque o que a move não pode ser facilmente controlado.
Não quero deixar de mencionar Kitay nessa resenha. Que personagem adorável. Toda vez que ele aparecia eu ficava felizinha. Tem muitos personagens interessantes nessa história, mas Kitay tem uma doçura e uma pureza que me encantaram.
Os trechos que focam nos aspectos sociais, históricos e políticos dessa sociedade são muito interessantes. No quesito construção de mundo, a autora arrasou. Toda a história do Império é contada em detalhes, mas sem parecer uma aula chata de história, porque a autora soube dosar as explicações e contextualizações com os acontecimentos do presente.
E é claro: os elementos fantásticos. Afinal, estamos falando de um livro de fantasia. A cereja do bolo está aqui e o que já era bom fica ainda melhor. Magia, mitologia, deuses, xamãs e fé são termos que aparecem frequentemente ao longo do livro e que tornam esse universo ainda mais incrível. As criaturas mágicas me lembraram um pouco de ACOTAR, o que eu adorei. E adorei também as críticas feitas ao excesso de racionalidade e ceticismo e a forma como a autora relacionou isso com a perda de contato com a magia. Inclusive, um trecho que me chamou muito a atenção diz o seguinte:
Você vai descobrir que o mesmo aconteceu em todas as grandes potências deste planeta que entraram numa suposta era civilizada. Mugen não tem xamãs. Hesperia não tem xamãs. Eles adoram homens que acreditam ser deuses, mas não os próprios deuses.
O livro é dividido em 3 partes e a última é onde os acontecimentos mais chocantes acontecem. Eu até precisei dar uma respirada entre os capítulos para me recuperar. A leitura é muito envolvente e, apesar de sufocante, é difícil deixar o livro de lado por muito tempo. A história é dolorosamente real, explorando os piores aspectos do ser humano, ao mesmo tempo que é fantástica, com criaturas místicas, monstros e elementos mágicos. A raiva e a vingança são temas que permeiam todo o livro e a autora faz ótimas reflexões psicológicas.
O livro termina com um excelente gancho e, com certeza, conseguiu me deixar curiosa para o próximo volume. A Guerra da Papoula tem meu selo de Valeu o Hype!
5 de dezembro de 2024
Intermezzo, de Sally Rooney, e tudo que acontece no interlúdio da vida
6 de julho de 2017
O Bom do Amor | Chris Melo & Laís Soares
O Bom do Amor, antes de virar esse livrinho fofo, começou sendo uma webcomic produzida pela Editora Rocco, com novas postagens às segundas e quintas-feiras. As ilustrações em aquarela são da talentosíssima Laís Soares, com texto de Chris Melo, autora dos livros Sob a Luz dos Seus Olhos e Sob Um Milhão de Estrelas.
11 de abril de 2022
Última Parada | Casey McQuiston
Quando eu me interessei por Última Parada, eu estava buscando um livro leve, fofo e que deixasse meu coração quentinho. A sinopse, apresentando uma história de amor entre duas jovens mulheres de tempos diferentes, me prometia exatamente isso (e um pouco mais). Posso dizer que Última Parada foi uma excelente leitura, apesar de não ter sido perfeita e de possuir altos e baixos.
No livro, conhecemos August, uma jovem que acaba de se mudar para Nova York para estudar. August está em busca da solidão das grandes cidades. Porém, o que ela encontra são colegas de moradia excêntricos e dispostos a torná-la parte do grupo. August vai se encaixando nesse ambiente e se adaptando a nova rotina, que envolve as aulas da faculdade e um trabalho na Casa de Panquecas de Billy Panqueca.
O plot do livro começa quando August conhece Jane no trem a caminho da faculdade. Jane é uma jovem linda e estilosa, vestindo camiseta branca e jaqueta de couro e usando fones de ouvido retrô. A atração entre elas é instantânea e, daí em diante, elas passam a se encontrar constantemente, sempre no trem da linha Q, o que surpreende August, afinal, em uma cidade tão grande e com tanta gente, quais as chances de sempre encontrar a mesma pessoa? As duas vão se conhecendo e August vai ficando cada vez mais encantada pelo charme e autenticidade de Jane, que parece fascinar todas as pessoas que a conhecem.
Muitas coisas acontecem, mas, o fato é que August descobre que Jane está presa no tempo (e no trem). Isso é algo que a sinopse nos conta. Porém, o livro demora para chegar nesse ponto. E esse, pra mim, é o primeiro ponto negativo do livro. Não que tudo antes disso seja desimportante. É nesse início que conhecemos melhor os amigos de August, ficamos sabendo mais sobre o seu passado, entendemos um pouco da sua relação com sua mãe e compreendemos quem é a nossa protagonista. Porém, o tempo que a história leva para chegar naquilo que já era revelado pela sinopse é mais longo do que precisava. Junto com essa demora para o enredo se desenvolver, há o fato de os capítulos serem muito grandes, tornando o ritmo do livro um pouco mais lento do que eu imaginava, apesar de sua narrativa fluida e sem muitos floreios.
Após a descoberta de que Jane pertence, na verdade, aos anos 70, ela e August começam a colher pistas e informações e investigar quem realmente é Jane, de onde ela veio e o que pode ter acontecido para deixá-la presa ali. A investigação é interessante e é muito divertido ir seguindo as pistas junto com as personagens. Apesar disso, parte dessa investigação é bem estranha e me incomodou, principalmente uma estratégia que elas têm para ajudar Jane a acessar suas memórias. Me senti incomodada pela August e senti que ela estava sendo usada.
Outro problema é que as personagens não se comunicam e isso é tão irritante, porque é um jeito tosco de construir um problema para a história. Boa parte do problema existe porque elas não conversam e não são sinceras. No entanto, a segunda metade do livro traz uma mudança bem agradável para a história, pois Jane e August enfim se abrem uma para a outra. E isso faz o livro mudar quase que completamente o tom e o ritmo. A investigação acelera, pontas soltas são conectadas e o romance entre elas fica cada vez mais fofo. Me peguei sorrindo feito boba durante alguns momentos.
Algo que eu não esperava foram as passagens mais adultas do romance, pois o relacionamento entre August e Jane é bem quente e as descrições das relações sexuais entre elas são detalhadas.
Jane e August são incríveis, cada uma à sua maneira. Eu adorei como a Jane traz esse ponto de vista dos anos 70, quando os direitos da comunidade LGBTQIAP+ estavam sendo conquistados com muita dificuldade. Jane é uma punk, asiática e sapatão (como ela mesma se descreve) vivendo nos anos 70, participando de protestos anti guerra, lutando por seus direitos, batendo cabeça em shows de rock e beijando meninas na chuva. Ela é forte, ousada e, ao mesmo tempo, doce. Acho que o livro poderia até ter explorado mais essa personagem. August, por outro lado, tem uma personalidade mais sombria, principalmente baseada em sua relação com sua mãe, que passou boa parte da vida tentando desvendar o desaparecimento do irmão (tio de August).
As amizades de August são maravilhosas, mas não consegui vê-las acontecendo. Foi como se num dia eles estivessem se conhecendo e, no outro, já se amassem. Esse desenvolvimento das relações interpessoais poderia ter sido melhor trabalhado. Por outro lado, as amizades descritas no livro são tão reais e autênticas que eu fiquei querendo fazer parte daquele grupo de amigos. Os diálogos são naturais, as piadas são engraçadas e o livro é cheio de referências divertidas.
Apesar dos pequenos problemas que eu encontrei, essa leitura foi muito agradável. É um livro gostosinho pra passar o tempo. Vá sem muitas expectativas e apenas curta a leitura. Em muitos momentos, essa história me lembrou as fanfics, com aquela atmosfera de romance intenso e parcialmente platônico e temas fantásticos como pano de fundo. E como uma boa amante de fanfics, eu amei isso.
O mistério conseguiu me manter interessada. É o tipo de livro que não dá para abandonar, porque não dá pra ficar sem saber o final. Como o problema vai ser resolvido? Jane vai voltar para os anos 70, retomando sua vida normal e desfazendo esse casal pelo qual a gente se apaixonou? Ou vai ficar no presente, perdendo de vez tudo o que lhe era conhecido, mas podendo, finalmente, viver um romance de verdade com August, fora dos vagões de trem? Ou há uma terceira opção? E se algo der ainda mais errado? Enfim, essas e outras perguntas rondavam a minha mente durante a leitura e me fizeram querer chegar ao final o mais rápido possível. As últimas 100 páginas foram deliciosas de ler e eu até me emocionei um pouquinho.
A explicação do que aconteceu com Jane flerta com conceitos científicos e preciso dizer que eu gostei. Consegui imaginar perfeitamente a cena em um filme e acho que seria bem legal, no estilo dos super-heróis do cinema.
Um dos maiores méritos do livro, com certeza, é a representatividade queer. A história nos apresenta a personagens incríveis, carismáticos e de todos os tipos. Representar personagens LGBTQIAP+ com tanta naturalidade e segurança só poderia vir de alguém como Casey McQuiston, bissexual e não-binária.
O saldo final, para mim, é positivo. Minha dica é: resista à primeira metade do livro, que é um pouco mais lenta, pois a segunda metade apresenta uma melhora gigante, tanto no ritmo quando no desenvolvimento da história. A edição da editora Seguinte está belíssima. A capa é muito fofa e transmite bem a vibe do livro (inclusive, parece capa de fanfic kkkkk). Diagramação e tradução ótimas. Recomendo pra quem, assim como eu, está em busca de uma leitura leve, fofa e cheia de representatividade.
Para finalizar, quero deixar esse trecho que Casey incluiu em seus agradecimentos e que eu acho importantíssimo:
A todos os leitores, sou uma das muitíssimas vozes queer na ficção, mas, embora sejam muitas, ainda não é suficiente. Cada um de nós merece ser ouvido. Quando fechar este livro, busque um autor queer de quem você nunca ouviu falar e compre o seu livro. Não pare com uma obra só. Existem muitos para amar, e apoiá-los cria um espaço para outros autores queer publicarem também.
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13 de março de 2023
O Melhor Livro de Autoajuda do Mundo, de Gabriel Paciornik: uma crítica ácida e divertida sobre um dos gêneros literários mais vendidos da atualidade
Muito provavelmente vocês abriram esse post pensando: "meu Deus do céu, mas que c4r4lh0 é esse que a Ana tá lendo livro de autoajuda??" E sim, vocês me conhecem muito bem, porque não é muito comum eu ler esse gênero. Nada contra, é claro, só não tenho muita paciência pras lições de moral e a positividade tóxica, e está tudo bem quem gosta. O que vocês não sabem é que, apesar do título ser O Melhor Livro de Autoajuda do Mundo, a obra de Gabriel Paciornik é, na verdade, uma ficção muito divertida e sarcástica.
A história acompanha o personagem Geraldo Pereira durante seu processo criativo para a escrita de um livro de autoajuda, cujo título é, obviamente, O Melhor Livro de Autoajuda do Mundo. Em dado momento, o protagonista explica o porquê de ter escolhido esse título, mas acredito eu que a grande sacada foi do próprio Gabriel Paciornik ao mantê-lo no nome do romance, uma vez que, como ele mesmo pontua, apela para a provocação, o que tem tudo a ver com o enredo.
Geraldo é um homem de uns trinta e poucos anos, mas ranzinza e azedo igualzinho um idoso de setenta. Não tem paciência com nada, odeia sair de casa e prefere sua própria companhia pelo simples fato de não querer lidar com pessoas — claramente eu, num é à toa que tô sempre falando que não gosto de gente, rs. A grande questão é que até o mais mal-humorado dos homens precisa de dinheiro para sobreviver. Quando Aloísio, seu quase-amigo e agente, aparece com a ideia de escrever um livro de autoajuda, Geraldo aceita a proposta, mesmo sabendo que tem de tudo para dar errado. Um cara como ele escrever uma coisa para ajudar outras pessoas? Confusão na certa, não é mesmo?
Boas ideias ficam nos observando, de longe, checando se estamos prontos para anotá-las. Se percebem que estamos com as mãos molhadas ou dirigindo, aparecem, rebolam na nossa frente e mostram a língua. Daí vão embora, sem nunca mais aparecer de novo — p. 77
O Melhor Livro de Autoajuda do Mundo é, provavelmente, um dos livros mais originais que li até hoje. Acho que isso de dá justamente pela controvésia do homem pessimista, que não acredita em nada e nem em si mesmo, escrevendo um livro desse gênero. Para vocês terem ideia, até as questões filosóficas são engraçadas! Até porque, ao meu ver, é uma obra que usa do humor ácido para fazer uma crítica ao gênero autoajuda, que vende igual água porque tenta a todo custo fornecer uma solução rápida para problemas que, na maior parte das vezes, não têm solução ou são simplesmente indícios de situações muito maiores e complexas que só podem ser resolvidas com ajuda profissional.
Outra coisa que gostei bastante nessa história é que, muitas vezes, ela acaba sendo um pouco fantasiosa. Tem um personagem, que é muito importante, aliás, que é o diabinho engarrafado que ajuda o Geraldo a escrever o livro. Apesar de ser uma figura mitológica, no livro ele existe de verdade. Eu simplesmente adorei essa questão da representação do "diabinho", que nada mais é do que nossa própria consciência cochichando as coisas no ouvido da gente, rs. Mas cá para nós, quisera eu ter um desses pra me ajudar com minha dissertação de mestrado, ai, ai...
Além de Azazel, o diabinho, adorei os outros personagens secundários. São bem construídos e introduzidos em momentos oportunos e de forma bastante natural, isto é, não existem só para tapar um buraco, para ter um diálogo ou uma solução conveniente para as situações que surgem no decorrer das páginas.
O Melhor Livro de Autoajuda do Mundo é bem curtinho e, por ter uma narrativa fluida, dá pra ler em um dia. Só demorei um pouco mais porque estava dividindo a leitura com outros quatro livros. Além disso, a diagramação está impecável, incluindo ilustrações muito bacanas, que super conversam com a história, no início de cada capítulo. Indico demais para quem está procurando algo leve e engraçado para mesclar com uma leitura mais densa — e que definitivamente não tenha problema com palavrões, hehehehe!