O Ódio que Você Semeia foi um livro que mexeu muito comigo. Sempre que me lembro dele ou dou uma relida na resenha, minha garganta aperta. Eu quis ler
Na Hora da Virada porque amei a escrita da Angie Thomas e a forma como ela retratou o racismo nos Estados Unidos, país que ainda hoje é extremamente segregado. Obviamente não é algo exclusivo dos EUA; aqui no Brasil, por exemplo, as coisas funcionam de forma semelhante. Mas enfim, apesar de ter realmente voltado a tratar do tema que citei anteriormente com maestria, esperava um pouco mais da obra.
Aqui acompanhamos a história de Brianna, uma adolescente de periferia que sonha em ser uma rapper famosa. Apesar da pouca idade, a protagonista já sofreu muito: seu pai, um rapper em ascensão, foi morto por uma gangue do bairro quando ela ainda era muito novinha; pouco tempo depois, foi abandonada pela mãe, que começou a se envolver com drogas. Mesmo depois de ter ido para um centro de reabilitação e ter conseguido a guarda dos filhos — Bri tem um irmão mais velho, Trey — de volta, Jay nunca conseguiu fazer com que Bri confiasse totalmente nela de novo.
Tudo parecia estar entrando nos eixos novamente até que Jay perde o emprego. Eles não têm mais dinheiro para comprar comida, muito menos para pagar as contas. Para piorar a situação, Bri, que estuda em um colégio majoritariamente branco, passa por um episódio racista que muda sua vida completamente: dois seguranças a barram na porta do colégio e exigem ver o conteúdo da sua mochila; a imobilizam no chão para conseguir o que querem, mas obviamente Bri não tinha nada na bolsa, apenas doces que vende para conseguir uma grana extra. Mais óbvia ainda é a certeza de que nenhum aluno branco do colégio NUNCA passou por isso.
Esse episódio faz com que Bri escreva uma música,
Na Hora da Virada, criticando e ironizando o que as pessoas acham que ela é por ser negra, viver na periferia e conviver diariamente com o tráfico. A música estoura, mas pelos motivos errados. As pessoas não entendem que é uma crítica social e começam a taxar Bri de marginal, para não dizer coisas piores. Assim, na mesma taxa em que sua carreira deslancha, sua vida pessoal parece não ter mais solução.
Eu simplesmente não tenho o que dizer da narrativa de Angie Thomas. É extremamente envolvente, assim como
O Ódio que Você Semeia. É impossível controlar o desejo de saber o que vai ser de Bri, se ela vai conseguir sair da enrascada em que foi metida, se Jay vai conseguir outro emprego, se os guardas que atacaram Bri vão ter o que merecem (se a escola vai tomar alguma atitude quanto aos episódios de racismo que acontecem frequentemente com todos os estudantes negos de lá)... Os enredos dos personagens secundários também não deixam a desejar, até porque são muito importantes para a evolução da trama. Os melhores amigos de Bri, Malik e Sonny, são muito bem construídos e têm seus próprios conflitos para resolver, o que dá um gás a mais na história.
Outro ponto bastante interessante são os conflitos familiares retratados na história. Bri não confia totalmente na mãe, mesmo estando limpa há oito anos. Isso influencia diretamente no relacionamento delas. Também há a questão da avó de Bri, mãe do seu pai, detestar a nora, o que causa uma certa tensão em vários momentos. Não vou dizer que não é entendível, mas depois de tanto tempo limpa, acho que ela devia deixar Jay cuidar dos próprios filhos, coisa que ela se esforça muito para fazer. Além disso, tem a problemática da tia de Bri, Pooh, ser traficante e ela ficar com aquele eterno sentimento de que vai acontecer alguma coisa com ela. E tem aquela coisa, né... Bri pensa nisso o tempo todo. Como a tia vê a irmã definhar por causa de drogas e ainda assim se tornar uma traficante? Mas a gente sabe muito bem que tem muita história por trás de uma pessoa que entra para o tráfico, né? Pois é.
Poucas coisas me incomodaram durante a leitura. A primeira delas é que, apesar de achar que a tradutora fez um trabalho incrível, afinal, não dever ser nada fácil traduzir letras de músicas de forma que elas façam sentido para o leitor, achei que as letras de Bri deixaram muito a desejar. É claro que as críticas são maravilhosas e cumprem com o seu papel, mas as rimas em si são bastante pobres e acho, infelizmente, que a tradução tenha uma certa influência sobre isso. E por falar em Bri, algumas decisões tomadas por ela no impulso a prejudicaram mais que ajudaram, vide o lance da música que a a mãe dela não tinha conhecimento, por exemplo.
Porém, o que mais me decepcionou foi o final e, para eu falar sobre isso,
talvez tenha que dar alguns spoilers, então não leia esse parágrafo caso não queria saber o que acontece. Eu não gosto de finais abertos e foi isso o que Angie Thomas entregou em
Na Hora da Virada. Nenhum dos conflitos foi realmente resolvido: a carreira de Bri no rap simplesmente não teve o desfecho que merecia — gente, pelo amor de Deus, que artista famoso do ramo mencionou o vídeo dela no Twitter? —, a situação da tia Pooh não foi resolvida e muitos outros acontecimentos ficaram, digamos, no ar. Esse foi o principal motivo de eu não ter amado esse livro como amei
O Ódio que Você Semeia.
É claro que
Na Hora da Virada continua sendo um livro ótimo e necessário. Novamente Angie Thomas mostra a realidade das pessoas negras através dos seus protagonistas, além de expor as dificuldades de uma mulher que sonha em construir uma carreira em um ambiente essencialmente machista. Outra coisa muito presente, é claro, são os dramas adolescentes, indispensáveis em qualquer romance jovem adulto de qualidade.